Nas últimas semanas, Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, tem ocupado as notícias e teve de ser salva pelo próprio primeiro-ministro. Já antes da pandemia se percebera que Ana Mendes Godinho estava longe de ter o currículo e o conhecimento de Vieira da Silva, mas a crise da Covid-19 expôs as enormes fragilidades da ministra no que respeita à realidade dos lares e na resposta aos trabalhadores independentes.

As respostas da ministra sobre o surto no lar de Reguengos de Monsaraz adicionaram polémica à polémica. Ana Mendes Godinho disse que não tinha lido o relatório da Ordem dos Médicos e afirmou não ter enviado o processo para investigação pelo Ministério Público quando, afinal, os seus serviços o tinham feito.

A situação do lar em Reguengos é grave por si mesma, 96% de infetados e 18 mortos, mas é grave também porque denuncia como a Segurança Social está a gerir o problema. Cerca de 40% das vítimas de Covid-19 estavam em lares. E em Reguengos, como em todos os lares solidários ou privados, a Segurança Social não fez mais do que contactar as direções e averiguar se tinham um plano de contingência, sem o analisar, sem o conhecer, sem prevenir. Pelo contrário, a tutela dos lares só atuava e acionava os meios da Saúde quando já havia pessoas infetadas.

Em Lisboa, por exemplo, foi a Câmara Municipal (onde há um acordo de governação entre o PS e o Bloco de Esquerda), através da proteção civil e dos direitos sociais, que constituiu uma equipa de prevenção dos lares, a qual visitou todos os lares, forneceu equipamentos de proteção individual aos trabalhadores e ajudou na definição e implementação dos planos de contingência.

O Ministério não fez este trabalho de prevenção, limitando-se a reagir nos locais onde já havia problemas e hoje temos perto de metade dos focos de infeção no país centralizados nos lares de terceira idade.

O primeiro-ministro não só salvou a ministra desta tragédia como definiu a reforma da Saúde e dos cuidados continuados como prioritárias, sem, no entanto, responder se o sistema vai manter-se exclusivamente privado, ou se passará a existir resposta pública, e se se vai manter o paradigma de institucionalização das pessoas idosas em lares, ou se, pelo contrário, se vai criar um plano que permita que as pessoas idosas se mantenham independentes e apoiadas nas suas casas.

A segunda tragédia de Ana Mendes Godinho foi na resposta aos trabalhadores independentes. A pandemia afetou de forma brutal e súbita os trabalhadores a falsos recibos verdes, que ficaram sem trabalho. Muitos destes trabalhadores também ficaram sem apoio da Segurança Social, apesar de a ele terem direito.

A Segurança Social estava a recusar a prestação social aos trabalhadores independentes e não estava a justificar a recusa, impedindo que as pessoas recorressem da decisão. A Provedora de Justiça veio criticar a situação que já havia sido denunciada pelos trabalhadores independentes e por associações como os Precários Inflexíveis.

De novo António Costa se prestou a salvar a ministra desta tragédia, dizendo que os trabalhadores independentes, falsos recibos verdes ou não, têm de ter acesso a uma nova prestação social de apoio às pessoas cuja atividade esteja a ser afetada pela pandemia. O primeiro-ministro veio assim reconhecer o que já havia sido defendido pelos partidos à esquerda. Mas não basta o anúncio, é preciso que chegue rapidamente aos trabalhadores independentes.

Nas últimas semanas, Ana Mendes Godinho teve de ser salva duas vezes pelo primeiro-ministro, sendo que coube a António Costa o anúncio das medidas de fundo nestes dois casos, o que é trágico porque, num momento de crise sanitária e social, precisávamos de determinação na defesa do emprego e nos apoios sociais.