1. A inesperada maioria absoluta do PS nas legislativas escapou a todas as sondagens de forma ainda mais grosseira que a vitória de Carlos Moedas sobre Fernando Medina nas autárquicas em Lisboa e deve lançar uma reflexão sobre o que representam e para que servem esses estudos de opinião. O que valem em Portugal? Como desligar os sucessivos falhanços de avaliação da realidade – que as sondagens, sucessivamente, moldam para logo depois voltarem a medir – dos interesses dessas mesmas empresas, que quase apenas trabalham para órgãos de informação no período eleitoral mas que ganham (creio que com a única exceção da Universidade Católica) a sua vida a fazerem trabalhos noutros contextos, nomeadamente no dos partidos políticos?

As sondagens, acredito, tiveram uma enorme influência nestas eleições. A fantasiosa aproximação do PSD ao PS terá determinado muito voto útil, que funcionou sobretudo à esquerda. Estas eleições foram manipuladas por interesses tão sagazes quanto desonestos ou as empresas de sondagens apenas foram novamente incompetentes? Que os responsáveis destas empresas não se furtem ao debate, remetendo-se ao silêncio envergonhado, pois este não é um problema de somenos, antes mexe com a qualidade da democracia portuguesa.

2. O PS tem o desafio de cumprir a promessa de António Costa: reabilitar a confiança das pessoas nas virtudes das maiorias absolutas de um só partido. Nunca esquecer que o Cavaquismo fundou o BPN e o Socratismo aquilo que se sabe, da PT à miserável Operação Marquês. Agora temos pela frente, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência devido à pandemia, a gestão do maior envelope de fundos comunitários alguma vez enviado para Portugal.

O apetite do aparelho do PS, bem instalado no Estado, não merece confiança alguma. Todos conhecemos as virtudes e os defeitos da democracia portuguesa. Isto não é, apenas, sobre o PS. É sobre um pequeno País em que quem manda normalmente abusa. Marcelo Rebelo de Sousa, e os diversos mecanismos atentos à aplicação do PRR, vão precisar de olhos até na nuca.

3. O PSD é o maior perdedor das eleições. O centrão cresceu (até aos 70% se contarmos com as coligações das ilhas) e o partido liderado por Rui Rio revelou-se incapaz de ser alternativa ao PS. No futuro, o PSD tem de resolver o crescente enigma. É o partido que não faz falta ao centro ou já não sabe dialogar com algumas camadas da população, entre as quais se contam as pessoas mais diretamente ligadas à atividade do Estado? O PSD tem desde domingo um problema de liderança mas deve resolver a montante a definição ideológica do que quer ser.

Aqui, a pressa na escolha de um novo presidente pode condenar o partido a uma fuga sem sentido para a frente. O sucessor de Rui Rio, que na noite das eleições se ufanou de deixar as contas da campanha num brinquinho, deve ser um segundo líder do centro ou o primeiro do centro-direita? Faz toda a diferença.

4. Outras notas sobre as legislativas: se o CDS não desaparecer será um milagre; os quatro anos de maioria do PS serão excelentes para o crescimento dos partidos (IL e Chega) à direita do PSD; os liberais têm programa e quadros de qualidade; o Chega, enquanto preservado de ter de tomar decisões, poderá continuar a cavalgar o populismo.