As crenças e a fé dos africanos sempre deram origem a uma proliferação de empresas religiosas, fruto, talvez, do empreendedorismo e da criatividade africana em contextos de miséria humana e de descrença. Hoje vemos que estas empresas da fé estão concentradas em zonas sem escolas, hospitais ou serviços sociais. Ou seja, espaços com fraca ou inexistente presença dos serviços do Estado.

A escolha de uma área de implantação (e expansão religiosa) não é deixada ao acaso, porque a localização destas organizações demonstra, desde logo, uma estratégia de cativação ou atracção dos desamparados que acabam por receber a esperança como produto. Este comportamento serve sobremaneira os interesses dos regimes africanos que não se vêem forçados a desfazer-se da miséria social. Ou seja, há um ciclo vicioso que traz mútuos ganhos para as empresas da fé e para os regimes africanos.

De facto, as empresas da fé precisam tanto de fiéis como os regimes africanos autoritários de populares pobres, com fracas aspirações terrenas. Demonstrando, assim, que a fé dos africanos tem servido, sobretudo, para encontrar um caminho para a salvação eterna individual, sem provocar qualquer acto de transformação política, remetendo muitos africanos para a condição de súbditos de uma fé cega, ou de não-sujeitos.

Os súbditos da fé entregam-se à descrença social e limitam as hipóteses de realização humana, porque essas empresas a quem prestam vassalagem determinam que a única mudança deve ocorrer através da realização de milagres. Assim, quando um dos membros dessas comunidades consegue ser bem-sucedido o resultado acaba por ser apresentado como uma obra divina, não sendo dado qualquer crédito às suas capacidades humanas.

A realização humana de um súbdito da fé é apresentada e celebrada como o fruto do seu investimento nos caminhos da fé. Tal dedicação religiosa acaba por conduzir a uma forma de aprisionamento e colocar os súbditos numa situação de incapacidade, afastando-os das lutas políticas e sociais com vista à construção de um bem-estar social colectivo.

Esta postura social de muitos sujeitos africanos pode servir para explicar, em parte, a preservação dos regimes africanos, que persistem livres de quaisquer tipos de pressão social e política radical. Por isso, actualmente, os partidos africanos, até os de matriz socialista ou comunista, outrora críticos do obscurantismo religioso, aceitam e acolhem figuras religiosas nos órgãos do Estado.

A cooptação dessas figuras religiosas permite exercer um controlo das mentes e das acções populares de desestabilização dos regimes autoritários, até em Estados africanos sem estruturas coercivas sofisticadas. Por exemplo, as transições africanas da década de 90 do século XX ocorreram sem grandes revoltas populares, por oposição às chamadas “Primaveras Árabes” já deste século.

No entanto, na África Subsariana ainda não se verificam índices significativos de revolta popular. Nesta zona do continente africano, mais do que no Norte ou na chamada Região Magrebina, assiste-se a um crescimento populacional exponencial, bem como à presença de uma população jovem desempregada ou inserida no sector informal da economia (sem garantia de um futuro certo) nos grandes centros urbanos.

Portanto, este comportamento da população africana em geral, e da juventude em particular, pode ser explicado pelo impacto da fé que motiva uma paralisia mental e inércia social impeditiva de rupturas políticas. Ou seja, a proliferação da fé é um produto incentivado pelos regimes africanos que, deste jeito, controlam os líderes empresariais da fé para evitar qualquer tipo de insubordinação política e social.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.