Passado um mês, já se pode falar da tragédia de Pedrógão sem se ser acusado de explorar a desgraça alheia para fins políticos. Aliás, esse anátema eficazmente lançado pela esquerda é, em si mesmo, o maior insulto às vítimas e suas famílias. O silêncio imposto, na única expectativa do desanuviamento da pressão do drama e da fuga às devidas responsabilidades, é mais insultuoso e iníquo do que qualquer outra atitude mais emocional.

O resultado é o pretendido, quando Costa chega das suas férias espanholas e se põe na pele do comentador externo, como se não tivesse responsabilidades políticas sobre o assunto, mantendo no cargo a ministra que representou e desmascarou o Governo durante a tragédia, contra todas os pressupostos da vergonha humana. Um mês depois, não há responsabilização dos irresponsáveis que tal permitiram, a ajuda humanitária que nos enche de um auto-contentamento hipnótico apodrece algures num armazém sem chegar às vítimas, e o “pum” do Sobral ajudou a esbater os contornos crueis da tragédia. Costa agradece.

Tancos, por sua vez, revelou-se uma caricatura gritante do que é o exercício do poder por quem o exerce sem legitimidade política, sem qualidade moral, sem dignidade institucional. O assalto começa por ser grave e de difícil explicação. Há, de forma a quebrar o elo fundamental de confiança entre os cidadãos e o Estado, uma escandalosa falha de segurança numa das insituições que deveria garantir essa mesma segurança.

O Presidente da República correu para Tancos alarmado, justificadamente alarmado, levando pela mão um relutante ministro da Defesa – o mesmo ministro que há meses tomava decisões drásticas e sumárias sobre suspeitas de comportamentos menos tolerantes no Colégio Militar. Costa mantém-se de férias em Espanha. Após o regresso, mais uma vez numa mirabolante incarnação de auditor externo, convoca as chefias das Forças Armadas para que lhe expliquem como foram desarmadas. Seguiu-se o que se sabe, o maior exercício de desfaçatez a que já assistimos num primeiro-ministro; dobrar as Forças Armadas não ajuda ninguém, revelar a flacidez gelatinosa dos seus responsáveis não tranquiliza o país, chamar estúpido a cada um dos portugueses com a inventona malabarista da inocuidade do material roubado, não lembra ao diabo. Mas lembrou a Costa.

É verdade que a economia tem revelado um comportamento encorajador, fruto das reformas indispensáveis do governo de Passos Coelho, mas também reflexo do optimismo que Costa teve a arte de instilar na sociedade. Já as contas públicas revelaram a essência de toda a política do Governo: cosmética, engenharia de números e contorcionismo. As cativações depressa explicaram o grau de verdade das contas públicas e a razão de um défice que contrariava a realidade do país. Pois é, Centeno, inspirado seguramente no chefe, será habilidoso, mas não é galáctico como a imprensa amiga chegou a querer fazer crer. Com os números não chega lá, resta-lhe a via das barrigas de aluguer.

Pelo caminho, tivemos uma enxurrada de factos laterais, do “pum” de Sobral às tristes crianças sem mãe de Ronaldo, dos disparates de Trump às amantes do Rei de Espanha, das polémicas ideias de Gentil Martins à agressividade histérica e persecutória de Isabel Moreira. O spinning de Costa é imparável no amparo à sua luta desesperada pela sobrevivência política.

Alijó ardeu, novamente sem SIRESP. Costa, sem poder fugir para Espanha, já pediu responsabilidades sobre o sistema que decidiu, ele próprio, ser o melhor para servir o Estado. Sim, o mesmo Costa que sem um pingo de vergonha acusa o anterior governo pela privatização da mesma PT que o governo Sócrates, de que Costa foi parte fundamental, deixou numa escandalosa ruína de amiguismo, opacidade e falência.

Não há limites para Costa, continua como no dia em que começou. Todos sabemos que não hesitaria em criticar duramente um adversário que escolhesse para férias o destino que constitui a maior ameaça concorrencial ao turismo português. Todos sabemos que teria interrompido as férias, e vindo a correr para o retrato, se a Selecção se sagrasse campeã de alguma competição, um qualquer cançonetista arrebatasse um troféu europeu ou a Madonna fizesse a escritura da casa lisboeta.

Sem nada que se parecesse, Jorge Sampaio correu com Santana Lopes para lá pôr o amigo Sócrates, com os resultados que ainda pagamos. Moções de censura serão inúteis, porque se constituem num acto político sem o devido impacto na robustez desavergonhada de Costa. A crise de credibilidade em que o Estado se encontra mergulhado pela mão do Governo, a falência das instituições perante os cidadãos que deveriam servir, a repetição deste padrão de comportamentos com o assentimento da extrema-esquerda anti-democrática obrigam os partidos democráticos a um apelo directo e inequívoco ao Presidente da República. As férias de Agosto poderão ser um bom momento de reflexão. Em Portugal, espero.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.