O empenho do atual Ministro da Defesa Nacional (MDN) na implementação da igualdade de género nas Forças Armadas (FA) é comparável ao esforço sobre-humano de Camões para salvar os “Lusíadas”, após a embarcação em que seguia ter naufragado junto à costa do Camboja. Pretende “integrar a perspetiva de género de forma transversal em todas as ações da Defesa Nacional”. Para materializar essa ideia, mandou publicar em 2019 o “Plano Sectorial da Defesa Nacional para a Igualdade 2019-2021”.

Um leitor menos familiarizado com questões da defesa, perante tanto afã na promoção da igualdade género, depreenderá que não existe igualdade de género nas Forças Armadas. Foi enganado.

Não só existe igualdade de género nas Forças Armadas, como Portugal esteve na vanguarda da total eliminação de restrições legais ao acesso das mulheres. Mulheres e homens têm a mesma formação, ganham o mesmo salário, e são promovidos em igualdade de circunstâncias. Ao contrário do que argumentam os promotores da igualdade de género nas Forças Armadas (PIGFA), as mulheres não são preteridas. O argumento do bloqueio nas políticas de integração não passa de uma construção fantasiosa.

Como esta realidade é reforçada pelo facto de as mulheres militares negarem ser discriminadas, os PIGFA tiveram de construir uma narrativa que contornasse todas estas contrariedades. Consideram eles que as mulheres militares “não têm consciência da discriminação”.

Dada a inexistência de discriminação formal, “descobriram” a existência de discriminação informal (cultura, normas de comportamento, etc.), por sinal, difícil de medir. Não têm pudor em passar atestados de menoridade a quem não corrobore as suas teses, uma vez incapaz de identificar situações de discriminação informal. Mas os PIGFA sabem que existe discriminação informal. Para eles, as declarações das mulheres militares não são mais do que sinais de adesão ao discurso oficial dominante da não discriminação, por conveniência, porque é importante para a sua autoimagem, e para garantirem a sua sobrevivência como grupo minoritário.

Desconhecedores, na sua maioria, do que é a “tropa”, uma realidade que não vivenciaram, do alto da sua arrogância intelectual, os PIGFA menosprezam, eventualmente desconhecem, a aprendizagem feita pelas FA na matéria em causa ao longo de três décadas. Em 1988, a Academia da Força Aérea admitiu as primeiras mulheres, em 1992, a Academia Militar, e em 1994, a Escola naval. Houve, naturalmente erros na integração das mulheres nas Forças Armadas, mas foram sendo corrigidos.

Hoje, as FA são um caso de sucesso em matéria de integração e não discriminação de género, que deve ser adotado por outras instituições. Era bom que os PIGFA, recém-chegados à ribalta, com três décadas de atraso, quando os problemas mais difíceis já foram resolvidos, reconhecessem que as suas teses pretensamente pós-modernistas não passam de um anacronismo. Ao contrário do que alardeiam para justificar as suas iniciativas, as dificuldades de integração das mulheres nas FA estão hoje superadas.

Os PIGFA atrevem-se a fazer incursões na polemologia e afirmam que a “natureza da guerra se alterou”. Agora é o tempo das missões de paz. Não só é grave como é perigoso responsáveis verbalizarem esta falácia. Ignoram que o treino para as missões de paz é um sucedâneo do treino para a guerra. A finalidade primária e básica do treino militar é ensinar a matar e a sobreviver no campo de batalha. E é para isso que os Exércitos se preparam, em primeiro lugar, e não para outra coisa.

A partir de agora, os militares terão em todos os cursos de formação e promoção doutrinação de género. Não nego que possa ser benéfica nalguns níveis. Mas o modo como está concebida deve ser seriamente repensada para não tratar a audiência como cavernícolas e não se transformar em objeto de gozo e escárnio. Os militares portugueses não são os militares que participam nas missões de paz das Nações Unidas. Estabelecer o paralelismo para justificar essa doutrinação é uma manobra arriscada que corre o risco de descredibilizar quem a promove.

A narrativa dos PIGFA assenta fundamentalmente na vitimização procurando tratar da mesma maneira coisas diferentes. Os PIGFA advogam a redução dos standards das provas de admissão e avaliação, questionam se as provas físicas – testadas e validadas cientificamente ao longo de décadas – são as provas físicas certas. Segundo eles, valorizam as características físicas do homem.

Sempre pensei que o treino físico deveria preparar o combatente para superar as vicissitudes do combate. Afinal parece que não. Tem de se adaptar ao género. Isto sim, merece uma revisão polemológica. Teremos então dois tipos de guerra, uma para homens e outra para mulheres. O que temos feitos durante décadas estava afinal errado.

Os PIGFA vieram trazer-nos a luz. Já estou a imaginar um Exército sem pistas de cordas, ou pistas aéreas onde é necessária força de braços para não discriminar ninguém.

O rol da vitimização dos PIGFA é muito longo. Não há mulheres a comandar Forças Nacionais destacadas (note-se que a preocupação não é com a participação, mas com o comando), o número de mulheres generais é diminuto. Esta lamentação não passa de um embuste. A presença de mulheres no generalato é de facto diminuta, porque ainda não chegou a sua vez. Ninguém dos seus cursos de entrada nas escolas militares o é ainda, e está longe de o ser. Ou será que os PIGFA pretendem que as mulheres cheguem ao generalato apenas por serem mulheres, independentemente do mérito? Sem serem explícitos, deixam isso como uma possibilidade.

As teses dos PIGFA assumem contornos sediciosos e são extremamente nefastas para a coesão das FA. No âmbito do citado Plano Setorial da Defesa Nacional para a Igualdade 2019-2021 foi constituído um grupo de trabalho para propor um procedimento de denúncias relacionadas com o género (assédio, etc.), deixando a hierarquia de fora, abrindo a porta à delação. A partir de agora, reuniões de homens com mulheres terão de ser com a porta aberta, e testemunhas a ouvir a conversa (para reforçar a coesão).

É este mesmo ministro que se opõe a formas avançadas de associativismo militar porque este coloca em causa a hierarquia das FA. E a delação, ainda por cima fora da cadeia de comando, não coloca em causa a hierarquia das FA? Este despacho não podia ser mais claro. Vem dizer que não acredita na cadeia de comando, passando-lhe um certificado de incompetência. Promove a desestruturação das Forças Armadas e subverte a coesão interna.

Também no âmbito daquele Plano foram criados os assessores de género, colocados nos Ramos das FA e no CEMGFA. As associações profissionais reclamam há décadas a criação da figura do Provedor dos militares e o recurso à arbitragem em casos de conflito. Nada foi feito, mas não se inibiu de criar num ápice assessores de género. Deve-se ainda acrescentar o disparatado despacho sobre a linguagem de género, que provocou revolta nos elementos femininos, e que foi motivo de chacota e de indignação. O atual MDN tem o mérito de ser um perturbador. Não é a primeira vez que as suas decisões provocam entropia e mal-estar nas fileiras. Não resolve problemas e cria complicações.

Vamos ser claros. O que está por detrás da agenda da igualdade de género promovida pelo MDN não é a igualdade de género. Não propõe medidas para resolver problemas. Não resulta de uma necessidade, nem foi concebida para corrigir ou melhorar nada. Por detrás deste alarido está uma lógica de poder, que tem de ser veemente combatida, em que o género e apenas o género deve prevalecer sobre a competência e o mérito, criando situações de discriminação profundamente injustas. Felizmente que a esmagadora maioria das mulheres militares não quer ser tratada como “coitadinhas”, repudia estas ideias e não se revê nelas. Querem afirmar-se (como estão a fazê-lo, e bem) pelo seu mérito e sem favores.

A agenda inclui ainda, entre outras coisas, um pacote de medidas que, baseada na igualdade de género, estabelece discriminação positiva, por exemplo, na seleção para cargos, nomeadamente no estrangeiro, criando um desequilíbrio favorável às mulheres, com base na ladainha fantasiosa da vitimização. O resultado vai ser mau para o espírito de corpo e para a coesão das Forças Armadas, potenciando clivagens assentes no género que não existem presentemente.

Estas medidas corroem e põem em causa os princípios fundamentais em que assenta a organização militar, nomeadamente o espírito de corpo, uma condição básica e essencial para o seu bom funcionamento. Estas lucubrações são a antecâmara para outros grupos (ciganos, africanos, asiáticos, muçulmanos, homossexuais, etc.) reclamarem um tratamento de exceção. Um dia destes teremos os PIGFA a reclamar o estabelecimento de quotas de género no ingresso às escolas militares, e na estrutura superior das Forças Armadas. A falta de senso não tem limites. Como alguém já fez saber, “isto é só o início”.

Dito isto, sou um defensor intransigente da presença de mulheres nas Forças Armadas e da salvaguarda dos seus direitos. O país não se pode dar ao luxo de desperdiçar o seu contributo, sobretudo quando as Forças Armadas deixaram de ser conscritas. Estarei na primeira linha desse combate. O que não podemos aceitar é a exacerbação e o enviesamento dos factos, e a criação de problemas inexistentes. A igualdade de género acontece quando não se pensa no género. Era para lá que caminhavam as FA, antes das polémicas (exteriores às FA) criadas pelos PIGFA. Uma sugestão ao MDN. Dedique-se a assuntos de defesa nacional.