Nas últimas semanas o país tem sido confrontado com notícias sobre as forças de segurança. Primeiro foram os polícias condenados no caso de violência em Alfragide, e depois, a controvérsia decorrente de uma reportagem da SIC sobre as polícias e os alegados actos racistas que alguns dos seus membros praticam em bairros que muitos apelidam de complicados. Fruto dessa dita reportagem e após declarações públicas onde surgiu identificado, Manuel Morais da Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP), acaba por apresentar demissão, de acordo com as suas declarações, por pressão dos seus pares e para que o sindicato não perdesse associados. Eu vi por acaso a reportagem no momento em que passou na televisão, e comentei logo e ali que este homem (cuja cara não me era estranha, descobri depois que estudámos no mesmo sítio há muitos anos, além de polícia o Manuel Morais é Antropólogo) estava a “meter o dedo na ferida”. Uma ferida que todos (penso que todos nós) sabemos que existe, e que muitos de nós teima em não querer ver. Gabei-lhe a coragem, gabei-lhe mais tarde, outra vez, a coragem de se emocionar e de querer esclarecer as suas palavras em público.

Haverá quem discorde desta minha interpretação, estão no seu direito. Alguns dos bons profissionais, homens e mulheres, com quem me tenho cruzado no decurso da minha carreira e formação fazem parte daqueles que se dedicam a proteger-nos no nosso dia a dia, sejam eles civis ou militares. Por isso, ainda me choca mais toda esta onda de indignação que umas declarações, verdadeiras no meu entender, provocaram. O sentido de grupo, crucial para a sobrevivência de grupos expostos a grande stress emocional e até físico, não se pode sobrepor, por princípio, ao que uma sociedade democrática e um Estado de Direito, em 2019, como Portugal, identifica como Princípios Fundamentais.

A discriminação baseada na cor da pele-o racismo, sim o racismo-existe em Portugal, como existem outras discriminações, de que falo aqui vezes sem conta: as de género, as de estrato social, as regionais, etc. As raciais tornam-se mais notórias porque não há escapatória, e é esse o drama que muitos parecem não querer ver. E isso é mais grave quando é o assunto de vida ou de morte e de integridade e da sua violação. Claro está, quando alguém se atreve a dizer o óbvio, e isso é inconveniente, em Portugal “cai o Carmo e a Trindade”. Mas, dias depois tudo se esquece contudo, nada nunca se perdoa, sobretudo para alguns dos envolvidos, isto é, “mata-se o mensageiro”.

Dias depois disto tudo, surgia no Facebook uma caricatura de um polícia a ser esfaqueado pela Justiça. Fiquei a pensar no que estariam a pensar as pessoas que partilhavam tal imagem? Algumas (muitas) delas polícias no activo. Entristeceu-me, revoltou-me e depois pensei que talvez fosse só sua ingenuidade. Afinal, nós e os outros podemos sempre trocar de  lugares, quantas vezes não nos debatemos todos com situações de pobreza ou de necessidade, com dúvidas e medos.  Quando nos colocarmos nos “sapatos dos outros” certamente que vamos acreditar que a Justiça tenha que ser justa para todos, mesmo quando isso comprometa a nossa perspectiva de pertença a um determinado aglomerado.