Portugal tem assistido nas últimas semanas a uma vaga de greves envolvendo diferentes setores, desde os professores aos juízes, passando pelos enfermeiros, médicos, oficiais de justiça, estivadores… Enfim, são muitas as classes socioprofissionais que têm entrado em greve para defender os seus interesses e manifestar as suas reivindicações laborais, com impactos consideráveis no funcionamento de empresas e instituições e, consequentemente, na economia do país e no quotidiano dos cidadãos.

Não está aqui em causa o direito à greve, que se encontra consagrado na Constituição e é uma prerrogativa inalienável dos trabalhadores em qualquer Estado democrático. Também não me vou pronunciar sobre a justeza de cada greve em concreto, pois correspondem a conflitos laborais com motivos específicos e alguns de uma certa complexidade. O que merece reflexão, a meu ver, é a falta de objetivos e bom senso que muitas vezes as norteiam.

Considerando a frequência com que têm lugar em Portugal, fica a ideia de que as greves são a primeira forma de reivindicação. Creio que há alguma leviandade na forma como se mobilizam para a greve setores cruciais para a vida do país e dos portugueses, e, pior ainda, como se organizam as greves de modo a causar o maior transtorno possível e a ter o maior impacto político-mediático.

Não faltam exemplos de greves altamente penalizadoras para quem nada tem a ver com os conflitos laborais em causa e é absolutamente impotente para os resolver, como é o caso dos utentes que veem as suas consultas e cirurgias adiadas, dos alunos que não têm aulas, dos cidadãos sem acesso à justiça ou das empresas que não conseguem carregar e descarregar mercadorias. Há também greves que, para além do cidadão incauto, prejudicam fortemente o interesse nacional, ao afetarem atividades económicas fundamentais para a competitividade do país, criando na realidade o efeito inverso ou pelo menos consequências muito além do objetivo.

Entendo que exista reivindicação por melhores condições, e que é obrigação do estado e dos privados garantirem essas melhorias para que os profissionais possam também exercer as suas profissões no máximo respeito dos direitos. Contudo, é igualmente importante assegurar que os utentes e os portugueses não são os principais afetados por essas greves, em detrimento dos naturais destinatários da reivindicação.

É incompreensível que, por exemplo, crianças tenham operações marcadas, sejam internadas ou passem dias no hospital e no dia de entrada para o bloco operatório tenham alta devido a greves. Greves essas que na realidade já estavam programadas antes de as referidas crianças entrarem no hospital, levando à remarcação para os meses seguintes. Na realidade não estou a comentar a legitimidade ou a razão dos enfermeiros para fazerem greve, pois com certeza terão as suas razões. Mas porque é que os reais implicados são os utentes em detrimento de quem não proporciona as condições ideais para o exercício da profissão?

Porque vemos o Porto de Setúbal parado evitando a exportação da indústria que mais contribui para o PIB? Esta ação tem implicação real e direta para a Autoeuropa e todo o cluster que a rodeia quando o problema reside na relação entre os estivadores, a Autoridade Portuária e o Governo.

É surpreendente a facilidade com que o interesse nacional e dos portugueses absorve as consequências destas paralisações e não os reais destinatários das greves. Tanto mais que as greves podem ter um efeito perverso para os próprios interesses dos trabalhadores, ao limitarem o funcionamento e a competitividade das empresas, fazendo perigar os respetivos postos de trabalho.

Importa, pois, ter bom senso no exercício do direito à greve, garantindo, acima de tudo, que estas são levadas a cabo de forma a impactar os reais destinatários, sem beliscar o orgulho e a união dos cidadãos portugueses na procura ativa de melhores condições de trabalho e vida. Procura essa que passa também pela defesa do outro.