A crer num conjunto de declarações recentes, Rui Rio está convencido de que a recente “onda de greves” mostra que o PSD poderá “ganhar as eleições” de Outubro ao PS, pois indicam que não há “contentamento” com o Governo e “demonstram” o seu “falhanço claro”.

Ninguém com juízo consegue perceber por que razão o líder do PSD adquiriu tal convicção. Não é que Rio esteja errado na avaliação que faz dos deméritos do Governo, que não está, mas engana-se se realmente acredita que as greves se devem a uma reacção popular contra esse falhanço. Pelo contrário: as greves e os “protestos” são um resultado da percepção de que o PS irá ser o partido mais votado nas eleições legislativas de Outubro, e visam apenas condicioná-lo. Não são sobre o que se passou no país até hoje, mas sobre o que vai acontecer no futuro próximo.

Não é por acaso que depois de três anos mais ou menos calmos, tudo o que é sindicato tenha saído à rua para barafustar contra uma política que, na prática, aceitaram e apoiaram até aqui.

Com as eleições à porta, e a convicção – generalizada independentemente de ser correcta ou errada, e as atribulações com a ADSE talvez façam com que seja errada – de que a única dúvida quanto ao seu resultado está em saber se o PS conseguirá ou não ter a maioria absoluta dos deputados no parlamento, os sindicatos das várias “carreiras” do aparelho burocrático do Estado português (e especialmente os “afectos” ao Partido Comunista) precisam de realizar demonstrações públicas de que os “verdadeiros” defensores dos “verdadeiros” interesses das respectivas “classes” são esses sindicatos (e, obviamente, o PCP).

As greves e os “protestos” não passam disso: um acto público de afirmação da agenda política e eleitoral dos sindicatos e do partido a que estão ligados, que visa “mobilizar” os seus membros e eleitores de forma a que, em Outubro, não façam uma cruzinha no quadrado errado.

Se “os trabalhadores e o povo” forem devidamente obedientes, a maioria absoluta do PS será evitada. E, nesse caso, a “turbulência” de finais de 2018 e inícios de 2019 terá uma utilidade adicional para os seus promotores: demonstrará inequivocamente a fragilidade do PS enquanto força política, e a sua dependência de um apoio mais ou menos tácito dos “parceiros sociais” e de quem os controla, ou seja, do PCP.

Uma vez demonstrada essa dependência, ficará também clara a necessidade de conquistar o silêncio dos comunistas, cedendo a pelo menos algumas das “reivindicações” dos grupos de interesse por eles representados (professores, autarquias, funcionários da Administração Pública, etc.).

Claro que, pelos lados do Rato, essas cedências serão vistas com preocupação, temendo – como certamente temem – os socialistas que ao fazê-las estejam a permitir a consolidação do poder do PCP e, colateralmente, a garantir que o PS nunca mais consiga governar sem a aquiescência comunista. Mas se a alternativa for ter de governar em 2020 e 2021 com “a rua” em permanente alvoroço, numa altura em que a conjuntura internacional muito provavelmente atirará Portugal para uma nova crise, esse será um preço que os socialistas estarão dispostos a pagar.

Os restantes portugueses, obviamente, também pagarão esse preço, mesmo que não tenham grande disposição para isso. E só quando a próxima crise chegar é que verão o quão caro ele realmente será.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.