Fico sempre confusa com as certezas absolutas de algumas pessoas. Esta minha confusão aumenta quando tal provém de profissionais mais ou menos habilitados a analisar acontecimentos políticos de maior ou menor impacto.
Os episódios sociais e políticos são tão escorregadios que até o senso comum nos obriga a alguma precaução. Atribuir a culpa a terroristas islâmicos nos primeiros cinco minutos após um qualquer evento catastrófico, é um dos claros exemplos de que isso acontece. E não raras vezes proferido pelas bocas de experts nos canais de televisão do nosso país. Assustador? Talvez não, se se considerarmos as exigências dos tempos noticiosos. Mas sim, se pensarmos na análise séria de eventos relevantes para a sociedade e nas suas implicações.
Para prevermos o futuro, geralmente, procuramos padrões e baseamos as nossas conclusões em ideias do que aconteceu anteriormente. Mas o cérebro humano, bastante treinado em identificar padrões, muitas vezes não o faz sistematicamente (a nossa capacidade de lidar com grandes quantidades de dados é, obviamente, limitada) e nem sempre os padrões que vemos são, por si só, significativos.
Por exemplo, ainda recentemente o caso da Catalunha nos deu a ideia de que a incerteza em política está sempre presente, e muita gente viu ali um “simples” padrão de independência. Contudo, e até ao momento, não é claro que tais eventos impliquem uma efectiva transformação nas estruturas do Estado espanhol – o que seria a mais forte implicação de uma “incerteza” – mas não deixa de nos transportar para o imprevisível, caso a independência ocorra.
Outro exemplo conhecido é o Brexit (a dar-se) ou até mesmo a Presidência de Donald Trump. Se bem que neste último caso, e como esperado por muitos analistas, as ondas de choque ainda não tenham sido as que se temeram há uns meses atrás, isso não significa que não haja implicações altamente negativas resultantes da sua presidência. Todavia, também não podemos esquecer-nos que existem instituições nos EUA que não mudam no imediato. Não raras vezes, as mudanças profundas na realidade política e social são o resultado de desenvolvimentos que ocorrem durante muito tempo, não são imediatamente perceptíveis porque se dão gradual e subterraneamente.
Em boa verdade, o facto de as mudanças políticas poderem ser causadas por certos eventos “inesperados” não é de todo novidade, ainda que isso não seja fácil de provar. Não sabemos exactamente que factores podem impactar a realidade e até que ponto contribuem para a alteração da realidade até ali existente. O que sabemos releva, normalmente, de uma análise feita a posteriori. Sei que isto não é sexy, nem ajuda a aumentar o número de cliques ou a vender jornais, mas a vida em sociedade é mesmo assim, cheia de imediatos evaporados e de alguns em permanente transformação.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.