A presente contingência coloca-nos o desafio intelectual de projetar cenários, eles próprios em cima de cenários. Estamos, portanto, a estudar as incertezas das certezas que ainda não temos.

Mais do que refletir sobre as certezas incertas, como é o caso da diminuição da riqueza e o aumento do desemprego, cuja grande dúvida será na sua extensão, importa-me, com o presente raciocínio, apresentar um olhar mais prospetivo. Isto é, pretendo refletir sobre aquilo que são as incertezas que poderão moldar cenários futuros.

É meu entendimento que seremos confrontados com duas grandes incertezas globais: (i) o ritmo da digitalização e (ii) o grau de abertura das economias. Veja-se que, já hoje, enfrentamos dilemas como o controlo dos nossos movimentos através do recurso à tecnologia e dados pessoais.

Entendo que a discussão levará a dois caminhos distintos.

Por um lado, a manutenção do ritmo de digitalização relativamente saudável de que as sociedades e economias têm sido alvo; ou, por outro, a um aumento dramático e incontornável do papel da tecnologia nas nossas economias, sociedades e democracias.

A discussão sobre o grau de abertura das economias é, também ela, muito contemporânea: pensemos nos movimentos populistas e na forma como encaram o fechamento das suas economias como fórmula para o crescimento.

Neste quadro, assumo também duas possibilidades.

As economias globais, confrontadas com um desafio de tipo novo, fecham-se sobre si próprias, incrementando os níveis de protecionismo ou; a globalização retoma o seu papel central nas relações económicas e financeiras entre Estados.

É do cruzamento entre estas incertezas que surgem cenários, os quais, embora relativamente extremos, nos permitem desenhar futuros possíveis.

Destaco assim quatro possibilidades:

1. Uma grande vitória das democracias liberais, reinventando o seu papel num mundo global, cooperante e a evoluir saudavelmente no sentido da digitalização.

2. Uma nova ordem mundial, fundamentalmente digital, em que entidades supranacionais (donas dos dados e intermediárias de bens e serviços) suplantam decisores políticos.

3. Um reforço dos populismos, do nacionalismo e do protecionismo enquanto respostas simplistas à complexidade de uma sociedade global.

4. Um advento de ditaduras digitais que, recorrendo igualmente ao fechamento, beneficiam de mecanismos tecnológicos para efeitos de controlo da população e limitação das liberdades individuais.

Estes cenários são hipotéticos, extremados e baseados em incertezas. Ainda assim, há respostas que assustam quando perguntamos “e se…?”. Escreveu Pessoa (ou Bernardo Soares): “Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.”

Hoje sei que nunca o passado que já não tenho foi tão diferente do futuro que desconheço.