E nos tempos sombrios, / Também se cantará? / Sim, também se cantará. / Sobre os tempos sombrios. Bertolt Brecht, “Motto”, 1939

Em 2024 tudo o que podia correr mal, correu. Os conflitos armados intensificaram-se, perpetuando a tensão geopolítica e declarando a falência do multilateralismo. O recrudescimento das guerras comerciais acelerou a transição para uma nova ordem económica, em que o protecionismo parece prevalecer sobre o livre comércio. Os movimentos populistas abriram fissuras entre os 27 e acentuaram a impotência da UE para atuar de forma resoluta na defesa dos seus interesses.

É neste cenário periclitante, imprevisível, ambíguo, volátil, que 2025 se anuncia. Um cenário que convém aos “engenheiros do caos”, como lhes chamou Giuliano da Empoli, e aos líderes populistas que estes sustentam com as suas sofisticadas estratégias de intoxicação da opinião pública. O mais proeminente desses líderes, Donald Trump, vai regressar à Casa Branca e promete implodir a ordem liberal ocidental, destabilizar o comércio internacional, promover a desglobalização económica e dar gás aos movimentos populistas um pouco por todo o mundo.

A confirmar-se a brutal subida das tarifas alfandegárias nos EUA, anunciada por Trump, voltam a aumentar as pressões inflacionistas. Pode, inclusivamente, ocorrer um novo choque da oferta, semelhante ao verificado no pós-pandemia. Há o risco de o agravamento do protecionismo comercial provocar ruturas nas cadeias de abastecimento, causando aumentos generalizados nos preços e uma forte degradação das condições económicas à escala global.

Como a História nos ensina, impor limitações ao comércio internacional acarreta quebras nas cadeias de valor globais, aumento dos custos de produção e dos preços ao consumidor, menos incentivos à eficiência e inovação das empresas, maior dependência de subsídios e ajudas internas, erosão da cooperação internacional e das relações comerciais. O protecionismo até pode trazer benefícios no curto prazo, mas acaba sempre por condicionar o crescimento económico mundial e a prosperidade e desenvolvimento das nações.

Na maior economia do mundo, a dos EUA, as políticas de Trump vão gerar instabilidade, pressionar a inflação e provavelmente manter as taxas de juro elevadas por mais tempo. É que, para além do aumento das tarifas sobre as importações, o novo presidente americano ameaça deportar todos os imigrantes ilegais, dos quais dependem muitos serviços básicos. Com menos mão de obra disponível, vai haver pressão inflacionista por via do aumento dos salários e falta de força de trabalho em vários setores.

Já a China deverá prosseguir com as suas políticas de estímulo à economia, procurando incentivar a procura interna, reforçar a confiança de empresas e famílias e aplacar a crise do mercado imobiliário. O Governo chinês vai também continuar a promover a autossuficiência do país em matérias-primas, investindo na aquisição de minas, reservas e recursos minerais noutros continentes. Da mesma forma que deverá manter o investimento em infraestruturas críticas de outros países, em particular portos, caminhos de ferro, aeroportos, companhias de eletricidade, parques eólicos e solares e telecomunicações. O gigante asiático pode, contudo, ver as suas exportações perderem competitividade face ao escalar do protecionismo.

Um ano decisivo na Europa

Para a União Europeia (UE), a braços com uma crise existencial, 2025 pode ser um ano decisivo. Creio que a estratégia de afirmação geopolítica, de crescimento económico e de desenvolvimento tecnocientífico da Europa está já, em grande medida, vertida nos relatórios Letta e Draghi. Importa, agora, que haja vontade e convergência políticas para avançar rapidamente com as propostas dos dois documentos.

A UE regista um preocupante gap face a outras grandes potências mundiais, fruto de um insuficiente investimento em I&D, de uma crescente dependência de matérias-primas, da escassez de talento com competências digitais e da morosidade na descarbonização da economia, entre outros fatores. Perante isto, e como preconizam os dois relatórios referidos, é necessário um significativo reforço do investimento público e privado em áreas como a reindustrialização, a produtividade e competitividade, a inovação, a sustentabilidade, o mercado de capitais, as tecnologias digitais e as infraestruturais críticas.

Acontece que a Europa está em estagnação económica e vive sob o espetro de uma nova crise da dívida. As maiores economias europeias, a alemã e a francesa, encontram-se em risco de recessão e a situação não vai melhorar tão cedo, dada a instabilidade política que os dois países enfrentam. De resto, apenas três países da zona euro não vão ter um agravamento dos juros da dívida pública até 2034. Isto significa que, muito provavelmente, a austeridade regressará à Europa em 2025, numa altura em que são necessários fortes investimentos públicos e privados.

Neste contexto, subsistem dúvidas sobre a capacidade da Europa para se manter unida, saber conciliar os interesses nacionais e convergir numa estratégia que lhe permita responder aos desafios da contemporaneidade e a uma ordem internacional soberanista. A parceria UE-Mercosul foi um sinal de esperança, na medida em que mostrou uma vontade de reagir ao protecionismo. Oxalá 2025 nos traga novas provas de dinamismo e resiliência da UE, que precisa de ganhar autonomia em relação aos EUA em setores que vão do comércio à defesa.

Portugal só depende de si

Mesmo com uma frágil estabilidade política, Portugal tem de saber jogar com o contexto internacional. O nosso país não deve estar à espera de uma reação europeia, habitualmente morosa, para responder a um mundo mais protecionista. Importa criar condições para reforçarmos a nossa competitividade internacional e diversificarmos os mercados de destino das nossas exportações, bem como para atrair investimento com a relocalização de negócios em países próximos e a regionalização das cadeias de abastecimento.

Só dependemos de nós para, já em 2025, criarmos um ecossistema facilitador da atividade económica. Cabe aos nossos decisores políticos desenvolver um enquadramento administrativo, legal e fiscal que descomplique o investimento e torne os nossos produtos mais competitivos. Com a folga orçamental, o PRR em andamento, o emprego em alta e o crescimento de vários setores, este parece-me ser um excelente momento para transformar a estrutura económica do país.

Para estar alinhado com a nova ambição para a Europa, Portugal tem de adotar um outro modelo económico. Neste sentido, há que promover uma mudança do perfil de especialização da nossa economia, discriminando positivamente os setores tecnológicos e de maior valor acrescentado, investindo na inovação e acelerando a transição digital e energética. Caso contrário, corremos uma vez mais o risco de ficar para trás numa UE que, como vimos, deverá apostar numa agenda modernizadora.

Mas, para mudar o perfil da economia, as lideranças do país têm de demonstrar sentido de Estado, clarividência e capacidade de gerar consensos num ambiente político polarizado. E também será preciso ambição, muita ambição para deixarmos de ter uma economia de mínimos e passarmos a ter uma economia competitiva e próspera.

Não há como negá-lo: as perspetivas para 2025 são sombrias. Mas não devemos subestimar a capacidade da Humanidade para encontrar soluções, ultrapassar problemas, superar dificuldades em momentos de crise. Foi assim no passado e sê-lo-á, certamente, no futuro, desde que saibamos manter viva a esperança.