Conheceram-se numa viagem oficial ao Afeganistão, em 2002, alguns meses depois do atentado às torres gémeas. Joe Biden presidia ao comité de relações exteriores do Senado norte-americano e Friedman não era ainda o jornalista premiado e o escritor famoso que viria a ser. Ficaram amigos desde esse primeiro encontro. Há dias, pouco antes das duas da manhã, o escritor sentou-se frente ao televisor, no seu quarto de hotel, em Lisboa, para ver na CNN o debate eleitoral entre o Presidente dos EUA e Donald Trump.

Uma hora e meia depois, Friedman, em lágrimas – como confessou no artigo que publicou nesse mesmo dia no “The New York Times”, escrevia: “Joe Biden, um homem bom e um bom presidente, não tem nada que se apresentar à reeleição”. Mesmo sabendo, como referia de seguida, que “Donald Trump, um homem maldoso e um presidente mesquinho, não aprendeu nada e nada esqueceu”. O escritor quer que Biden “ponha o país acima dele próprio”. Mas é possível que tal não aconteça.

O exercício do poder gera a sua própria patologia. E a matéria de que é feito o presidente da mais poderosa nação do mundo não se presta facilmente a exercícios de humildade e desprendimento. Como terá afirmado a mulher, Jill Biden, segundo a revista “The Economist”, seria indigno que uma carreira tão brilhante acabasse num palco de Atlanta, face a um inimigo político que ambos desprezam.

Na convenção do Partido Democrata que vai ter lugar em Chicago, no mês de agosto, Joe Biden dispõe do voto de 3.894 delegados, sendo necessários 1.968 para atingir a exigida maioria absoluta. Os delegados estão obrigados a votar no candidato que representam e só este os pode desvincular dessa obrigação. Se Biden renunciar, os seus delegados votarão noutro candidato, mas este terá de obter os tais 1.968 votos. Na falta desta maioria absoluta, competirá aos mais de 770 super-delegados (a elite do Partido Democrata) escolher o candidato à presidência. Ninguém gosta desta solução, utilizada pela última vez em 1976, por parecer ser uma escolha de clique, em vez do povo eleitor.

Mantendo-se Biden na corrida eleitoral, há risco de o Partido Democrata sofrer uma derrota histórica. E esta poderá não se limitar à presidência. O Congresso pode passar para o controlo dos Republicanos. Entretanto, os países inimigos dos EUA (e da NATO) poderão detetar na presente situação de fraqueza e vulnerabilidade uma oportunidade estratégica irrepetível. O mundo tornou-se ainda mais perigoso depois daqueles fatídicos 90 minutos.