A França foi, desde a Revolução de 1789, associada às ideias de liberdade, igualdade e fraternidade. Mesmo quando, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, os imigrantes descobriram que esses valores não se aplicavam a todos. Que o digam os portugueses que viveram nas bidonvilles terceiro-mundistas.

Uma imigração que acabou por não ser de “torna viagem”. Por isso, o reagrupamento familiar pintou a paisagem social francesa de línguas, tonalidades de pele e hábitos culturais. Um convívio nem sempre fácil. O mosaico reagiu mal à assimilação decorrente da política que acreditava ser suficiente sujeitar todas as crianças ao mesmo modelo educativo para gerar cidadãos franceses.

A França não demorou a pagar a aposta na assimilação em detrimento da integração. Um preço elevado e que não se ficou pela vandalização física. Constituiu ghettos. Um alfobre para o recrutamento de terroristas que acreditam matar em nome da religião. Daí o elevado número de franceses que aderiram ao Daesh e a outros grupos terroristas.

Uma situação que coloca em causa a segurança interna e o modelo de vida ocidental. Por isso Emmanuel Macron, em fevereiro de 2020, se viu obrigado a anunciar medidas para combater aquilo que designou como o “Islão político”.

Foi num bairro problemático de Mulhouse, cidade onde está em construção uma grande mesquita financiada por uma ONG do Qatar, que o primeiro-ministro francês apresentou as suas ideias. Medidas que passam pelo ensino, como a decisão de vir a proibir que nove países estrangeiros assumam as despesas relativas a professores de duas línguas estrangeiras: árabe e turco.

Propostas que não esqueceram a religião e, como tal, Macron quer terminar com a vinda para França de líderes religiosos, os imãs, provenientes de Marrocos, Argélia e Turquia. Uma decisão que deseja ver acompanhada pela aposta na formação de ímãs a nível nacional, de forma a garantir a assistência religiosa aos cerca de cinco milhões de muçulmanos que vivem em França.

Macron acredita que o conjunto de medidas por si preconizadas será suficiente para criar um Islão mais moderno. Um Islão perfeitamente compatível com as leis da República. Aquelas a que todos os franceses, independentemente da religião, estão obrigados a obedecer. Dito de uma forma mais clara: se a França é um Estado laico, não faz sentido que as leis da religião ponham em causa as leis da República.

O primeiro-ministro acredita que, a curto prazo, vão terminar práticas ancestrais incompatíveis com uma verdadeira cidadania. Como a exigência de certificado de virgindade para casar. Ou o abandono escolar feminino quando se atinge a puberdade. Ou, ainda, a recusa masculina de apertar a mão a uma mulher.

Só que Macron é apenas o rosto atual de um processo antigo e complexo. Na verdade, a lei de separação proíbe, há mais de um século, o Estado de intervir na formação dos clérigos. Além disso, o Ministério da Educação desconhece os conteúdos ensinados nas madraças.

Em Mulhouse, no bairro de Bourtzwiller, Macron invocou os valores da Revolução Francesa. O problema reside na forma como o Islão, e não apenas o “político”, continua a interpretar esses valores em relação à mulher. Uma igualdade desigual. Uma liberdade tutelada. Tudo em nome de uma fraternidade submissa.