No mês que deveria assinalar a consagração japonesa nas olimpíadas de Tóquio, o primeiro-ministro nipónico, Shinzo Abe, renunciou inesperadamente ao cargo que ocupava desde 2012. O agora ex-chefe de governo já havia ocupado as mesmas funções entre 2006 e 2007, tendo igualmente abandonado o executivo devido ao seu estado de saúde.
Porém, Abe ficará na história pelo seu segundo mandato, nomeadamente pelo “Abenomics”, o programa político-económico que ambicionava relançar a economia japonesa, evitando um cenário de estagnação prolongada. Durante décadas, a economia japonesa viveu num regime de quase-estagnação, depois de anos de deflação, crescimento moderado, taxas de juro mínimas e baixo desemprego. O plano do governo japonês assentava, essencialmente, em três pilares: política fiscal expansionista, política monetária acomodatícia e em reformas estruturais. Contudo, os resultados de oito corajosos anos de Abenomics foram contraditórios.
Um dos principais desafios desta que é a terceira maior economia mundial, passa pelo seu elevado envelhecimento populacional. O aumento no índice de dependência de idosos e na esperança média de vida, juntamente com uma taxa de natalidade decadente, definem a transição demográfica vivida desde os anos 60. Este fenómeno tem várias implicações económicas, sobretudo na produtividade, no lado da oferta no mercado laboral, assim como nas decisões de investimento e poupança por parte dos agentes.
De forma a contrapor as dinâmicas populacionais e a impulsionar o emprego, Abe procurou uma maior inserção das mulheres no mercado laboral, enquanto tentava ainda captar mais imigração, apelando particularmente a trabalhadores estrangeiros altamente qualificados. Estas duas medidas, apesar dos resultados modestos, sobressaíram sobretudo por terem fomentado na altamente conservadora sociedade japonesa um debate público em torno de “tabus” como a política migratória.
Todavia, a mesma mudança de paradigma seria necessária numa série de outros fatores culturais e socioeconómicos que retiraram eficácia às políticas de Shinzo Abe. Segundo o Nomura Research Institute, um think-tank sediado em Tóquio, a obsessão japonesa com o dinheiro físico custava em 2019 cerca de 15 biliões de dólares. De acordo com um estudo realizado pelo Boston Consulting Group no ano passado, 65% dos pagamentos eram ainda feitos em dinheiro, face à média de 32% registada nas restantes economias desenvolvidas. Para além disso, a procura nunca foi verdadeiramente estimulada.
Apesar do agressivo pacote de estímulos, o crescimento no rendimento disponível das famílias não causou um aumento significativo no consumo, sendo a poupança a registar os maiores aumentos. Este foi, precisamente, um dos territórios onde o primeiro-ministro japonês falhou. O melhor exemplo deste fracasso é a tentativa de redução do défice em 2014 e 2015 através do aumento do imposto sobre o consumo. Ao subir este imposto, o governo nipónico causou exatamente o efeito oposto ao qual se havia proposto: mergulhou a economia em recessão dada a queda abrupta do consumo. Tudo isto quando a sua economia crescia e finalmente escapava à deflação.
Importa salientar que os sucessos alcançados ao longo destes anos deveram-se em grande parte ao compromisso e à credibilidade do Banco do Japão em manter a taxa de juro em níveis mínimos, tal como aos programas maciços de compra de ativos. Através de yields baixas, da depreciação do iene e de uma escalada no Nikkei 225, a economia japonesa alcançou o ímpeto e o fulgor necessários.
Embora o Abenomics tenha falhado em derrotar de vez a deflação e na concretização de algumas das reformas mais ambiciosas, Shinzo Abe trouxe consigo estabilidade, fortalecendo a posição do Japão no panorama global. Os dois acordos comerciais com os Estados Unidos e a União Europeia, assinados numa era de bilateralismo e de reversão do processo de globalização, reafirmam essa mesma posição enquanto potência económica mundial.
Simon Kuznets, nobel da economia em 1971 pelo seu trabalho acerca do crescimento, resumiu as economias mundiais em quatro categorias: desenvolvidas, em desenvolvimento, o Japão e a Argentina. No entanto, décadas após Kuznets, o Japão já não é uma economia tão atípica quanto fora anteriormente. No período pré-pandemia, tanto a Zona Euro como os Estados Unidos apresentavam sintomas severos de “Japanificação” – sinais de desaceleração e um envelhecimento da população semelhantes aos que o Japão enfrenta.
Assim, o Abenomics oferece-nos algumas preciosas lições para o futuro. Lições essas que passam pela superação da deflação e que nos ensinam a não temer a dívida e a confiar na eficácia da política monetária. Porém, talvez a maior aprendizagem seja a de que não podemos prometer estímulo e subitamente perseguirmos uma austeridade acessória, como sucedeu com o imposto sobre o consumo. O paradoxo fiscal de Abe foi letal no sucesso do seu programa. Estes exemplos dados pelo Japão são atualmente mais pertinentes do que nunca. A Europa deve por isso retirar ilações acerca da experiência japonesa: relevante no presente, e talvez ainda mais no futuro, numa época em que o Japão parece ter estabelecido as tendências macroeconómicas entre as envelhecidas economias ocidentais.
O artigo exposto resulta da parceria entre o Jornal Económico e o Nova Economics Club, o grupo de estudantes de Economia da Nova School of Business and Economics.