Recentemente, na votação do Orçamento de Estado para 2025, foram introduzidos alguns projetos de lei com o propósito de reduzir, ou mesmo eliminar, as comissões de reembolso antecipado nos créditos à habitação (CH).

As novas comissões de reembolso antecipado que eram propostas variavam consoante se tratasse de CH a taxa variável ou de CH a taxa fixa e mista, chegando mesmo à sua completa eliminação.

Em outubro de 2024, as taxas mistas e fixas representaram 82% da contratação mensal de CH para habitação própria e permanente e 30,6% do stock existente, pelo que seria muito significativo o impacto da redução, ou da abolição, da comissão de 2% que impende sobre o montante de um CH sempre que é reembolsado em antecipação ao plano financeiro contratado inicialmente com o banco.

Como é sabido estas medidas acabaram por ser rejeitadas pelos deputados. Mas será que estas iniciativas eram boas ideias ou as suas consequências iriam, afinal, prejudicar os mesmos consumidores que pretendiam beneficiar?

Como funciona o negócio da banca comercial

Para se entender os condicionalismos da concessão dos créditos à habitação, os quais têm prazos tendencialmente muito longos, é preciso reconhecer previamente duas caraterísticas do negócio bancário.

A primeira caraterística é que os bancos não emprestam o seu “próprio dinheiro”. Na realidade, os bancos emprestam recursos financeiros que tiveram, também eles, de pedir emprestado previamente. A segunda é que, ao contrário do que é frequentemente afirmado, o spread não é “a margem de lucro dos bancos”. O spread é a margem que os bancos adicionam ao custo que têm com um crédito para eles próprios tentarem ter lucro nesse crédito.  Por isto é que o negócio da banca comercial é também designado por spread banking, na nomenclatura anglo-saxónica.

Porque é que os CH com taxa fixa são diferentes dos CH indexados a taxa variável

Para poderem fazer CH com taxa de juro fixa, ainda que apenas durante a parte inicial do prazo (taxas mistas), os bancos precisam de obter recursos financeiros que tenham caraterísticas semelhantes, de prazo e de taxa de juro, aos CH que tencionam conceder. Mas é aqui que surge o problema, já que todos os CH podem ser reembolsados antecipadamente, a qualquer altura, pelos consumidores que os contrataram.

De facto, em cada CH que é celebrado, é sempre atribuída ao consumidor a possibilidade de reembolsar antecipadamente esse CH. Isto costuma acontecer, quando o consumidor vende a casa, quando ele refinancia o seu CH noutra instituição financeira ou, simplesmente, quando o próprio consumidor consegue antecipar o reembolso do seu CH, na totalidade ou em parte.

O que acontece quando um CH é reembolsado no período de taxa fixa

Os bancos não têm a possibilidade de solicitar ao consumidor que antecipe o reembolso do CH que lhe foi concedido. Os bancos também não têm facilidade para liquidar (antes da maturidade contratualizada com terceiros), os empréstimos que contraíram para poderem conceder esses CH aos consumidores. É por isso, que os bancos têm de aplicar, na concessão de novos CH, a liquidez que resulta dos CH que são reembolsados antes do prazo.

Isso não é uma questão relevante no caso dos CH indexados a taxa variável. Mas, pode ser um problema significativo, se esses CH forem a taxa fixa e se, entretanto, as taxas de juro dos créditos a taxa fixa tiverem descido significativamente no mercado financeiro.

Na prática, a forma como os bancos gerem este risco de pagamento antecipado (prepayment risk), dos CH com taxa fixa, é muito complexa e extravasa o âmbito desta discussão.

Mas há uma realidade incontornável. Existe um custo, suportado pelo banco, e que é tanto maior quanto mais longa for a maturidade remanescente do CH que foi reembolsado e quanto maior tiver sido a descida das taxas de juro fixas desde que esse CH foi concedido, a uma taxa de juro que era fixa. O prejuízo potencial, nesta situação, é muito superior à comissão de 2% que é cobrada agora pelos bancos aos consumidores pelos reembolsos antecipados dos CH.

Como poderia ter evoluído a oferta de CH com taxas fixas e mistas

Por tudo isto, entre as consequências possíveis do que se passou, a manutenção do statu quo nas comissões de reembolso dos CH acabou por ser o resultado mais favorável para os consumidores portugueses relativamente às outras duas alternativas plausíveis.

A primeira alternativa levaria os bancos a passar a incluir, nos contratos de CH de taxa fixa (e mista), cláusulas que os iriam compensar pelo custo que os reembolsos antecipados lhes provocam. Isto, de forma análoga ao que já acontece nos contratos de serviços de telecomunicações. Essas cláusulas poderiam implicar, consoante os casos, custos para os consumidores que seriam de valor bastante superior aos 2%.

A outra alternativa teria sido assistirmos à evolução gradual do mercado português de CH para uma situação análoga ao que já acontece nos EUA. Aí todos os CH são a taxa fixa. Mas as melhores taxas disponíveis nos mortgages com prazo de 30 anos estão atualmente nos 6,8%. Isto, na mesma altura, em que uma obrigação do Tesouro dos EUA de prazo igual, mas sem (!) opção de reembolso antecipado, oferece apenas 4,3%. Como é evidente esta alternativa também se iria traduzir num prejuízo significativo para os consumidores portugueses.