Não é por opção, “é por desespero”, dizia a Rita há dias quando foi despejada de uma casa da Câmara Municipal de Lisboa que tinha ocupado abusivamente. Já antes, no Bairro da Cruz Vermelha, Susana e Ana Patrícia diziam: “Isto é a necessidade da minha vida: ter onde dormir com os meus filhos”.

Na sexta passada, Rita acordou com a polícia municipal que a despejou. Entretanto, era esperada à porta do prédio pela Maria João, a Filipa, a Mónica e várias outras mulheres que estão na mesma situação: ocupam uma casa da Câmara por desespero. Dias depois juntaram-se dezenas na reunião da Assembleia Municipal.

Para elas a escolha é impossível: estão a criar filhos menores e não têm condições de ficar em casa de familiares, têm trabalhos precários ou estão desempregadas, não têm recursos para alugar ou comprar casa e, por tudo isto, ocupam uma casa que se encontra vazia e em condições para as albergar. Quando falam percebe-se como se sentem injustiçadas, fecham os punhos e apontam: “este prédio tem três casas vazias, aquele ali outras duas. Sei que não devia ocupar, eu quero pagar a renda, mas não tenho nota”.

Não têm nota. É preciso que se diga que já todas concorreram à habitação social da Câmara sem sucesso, a situação que têm não é suficiente má para a atribuição de uma casa. O problema é que também não é suficientemente boa para garantir uma casa no arrendamento privado. Muitas já o tentaram, mas o ordenado mínimo que auferem não lhes permite arrendar um T1 pelo valor quase equivalente ao seu ordenado mensal, como ocorre atualmente na cidade de Lisboa.

Mas o problema de falta de habitação digna não vem só: sem casa para os filhos, estes podem ser levados pela CPCJ. Por isso, mesmo sabendo que não podem, ocupam. Ocupam para ter casa, mas ocupam também para ter casa para os filhos e ocupam para poder manter os filhos. A crise da habitação por si só é neste momento razão para se ser afastada dos filhos.

Não é novidade, a crise na habitação não afeta a todos por igual. Quanto mais pobre se é, mais afetado pela bolha imobiliária se fica. E, de acordo com os dados da pobreza, é nas famílias monoparentais que a pobreza é mais acentuada. Neste caso, as mulheres com filhos e sem habitação, são também as mais afetadas pela precariedade laboral e pelos rendimentos mais baixos, mas também pelas duplas jornadas e por trabalhos a meio tempo.

E assim, nestas mulheres cruzam-se muito claramente as desigualdades de classe com as desigualdades de género. Os homens desenrascam-se por si, elas fazem-se à vida e arranjam uma casa para os filhos, continuam a receber menos, a trabalhar e a, necessariamente, gastar mais: em casa e fora.

O debate sobre a crise da habitação ainda agora começou. Se Bloco de Esquerda e PCP já há muito avisam para a necessidade de pensar a habitação como um direito e denunciavam a Lei dos despejos de Assunção Cristas, o PS só recentemente admitiu existir uma crise. Já os partidos de direita continuam a achar que as alterações que introduziram no seu “reinado” foram ótimas e não se pode sequer regular o mercado da habitação.

Estamos com anos de atraso, os municípios têm de poder ter meios para construir habitação social, como finalmente está consagrado no Orçamento do Estado para 2019. É necessária habitação pública para arrefecer o mercado e o Alojamento Local tem de ser regulado e restringido. Mas não chega, o Governo não pode querer que sejam só os municípios a tratar deste assunto.

A lei que impede os despejos tem de ser estendida a todas as pessoas enquanto não se altera seriamente a lei da ex-ministra Assunção Cristas e é mandatório acabar com o Balcão Nacional dos Despejos. Entretanto, e já vai tarde, os vistos gold, que promovem a bolha e a corrupção, têm de acabar e os benefícios fiscais para residentes não habituais não podem continuar.

São os filhos que primeiro estão a sentir a injustiça que hoje é esta lei. O arrendamento a que as suas mães não têm acesso é a única garantia de uma vida de afetos e minimamente estável. É também a garantia de que se mantêm com as suas mães. Estas só pecam por serem pobres, mas não o suficiente. Ao ponto a que chegámos…