O longo reinado político de António Costa chegou a um fim abrupto a 7 de novembro e, agora, aguardamos os resultados das investigações da Justiça portuguesa em curso sobre as concessões de exploração de lítio em Montalegre e o projeto da central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines.
É a credibilidade da própria justiça portuguesa que está em jogo, no momento em que tem o poder de derrubar um Chefe de Governo no decurso de uma terça-feira de manhã. E agora o que se segue, face ao anúncio de dissolução do Parlamento pelo Presidente da República e eleições legislativas antecipadas em fevereiro?
Desde 2019, o Parlamento tem vindo a ser palco de estratégias agressivas, populistas ou antidemocráticas, empreendidas por partidos como a Iniciativa Liberal e o Chega, com um PSD cada vez mais radicalizado. Uma direita e extrema-direita que assustam muitos portugueses.
Podemos discutir legados, mas o que é realmente importa é termos uma conversa sobre como esta eleição vai ser um ponto de viragem importante, ao ponto de o país poder vir a perder conquistas relevantes, alcançadas nas últimas décadas, ou abrir caminho à construção de uma nova frente de trabalho, que permita um desenvolvimento sem precedentes em Portugal. Mas a esquerda tem de estar preparada para o que aí vem.
Primeiro, acabar com a narrativa do voto útil, impulsionada pelo medo, e votar, de acordo com a convicção, nos programas eleitorais dos partidos que vão a votos, seja em que círculo for. A esquerda tem sido demasiado condicionada pela narrativa do voto útil, invocando sempre esse papão para evitar a dispersão de votos. Como se viu na última eleição, não foi uma maioria absoluta do PS que trouxe mais diálogo e concertação ou estabilidade social.
E sim, vão dizer-me que os votos em partidos pequenos fora de Lisboa ou Porto não fazem diferença e são para deitar fora. Não tem de ser assim, se encararmos as eleições legislativas como o momento para definir a disponibilidade para convergências, coligações, acordos e entendimentos, sejam pré ou pós-eleitorais.
A direita sempre foi exímia em fechar entendimentos estratégicos, enquanto a estratégia à esquerda foi sempre de “o meu nabal é melhor do que o teu”. Falar em voto útil é cavar trincheiras e limitar o crescimento de forças políticas que possam constituir uma forte alternativa ao bloco neoliberal do PS e PSD. É tempo de uma narrativa mais construtiva e positiva para pôr fim ao medo e abrir caminho à mudança.