Na presente semana foram publicadas duas notícias distintas: nos Estados Unidos foi aprovado o medicamento mais caro do mundo: 1,9 milhões por tratamento; numa outra referia-se que, em Portugal, o processo de adoção estaria parado em Lisboa pelo facto da única funcionária da Segurança Social se encontrar de baixa.
A primeira notícia reporta-se a um importante desafio ético futuro. Como poderá ser garantido o acesso universal a este tipo de tratamentos de ponta? O Serviço Nacional de Saúde encontra-se dimensionado para tratamentos de base normalizada, convivendo com uma natural dificuldade com as doenças “exóticas”. Quando estão em causa estes tratamentos de “nova geração”, como foi o caso da Hepatite C, os desafios financeiros são enormes. Uma certeza! As discussões relativamente a este tipo de questões serão mais frequentes e fraturantes.
Nestas condições, as decisões públicas só serão legítimas se existir uma plena transparência dos processos. Os recursos financeiros disponíveis serão cada vez mais escassos, atentas as necessidades crescentes. Para tal, é essencial que o Estado proceda a uma reforma profunda dos seus processos, garantindo a máxima eficiência na aplicação dos fundos públicos e a plena justiça dos processos redistributivos.
Porém, notícias como a referente aos processos de adoção revelam uma realidade diametralmente oposta à que deverá necessariamente ocorrer. Existem funções que não podem deixar de ser prestadas sob pena de descrédito e contestação. Num ambiente de forte concorrência internacional e onde os riscos são cada vez maiores, decorrentes das alterações climáticas, é essencial que a infraestrutura financeira e administrativa do Estado se reforme. Esta alteração deixou de ser uma opção para passar e ser uma inevitabilidade.
A base desta infraestrutura são os mecanismos orçamentais. O modelo português é, ainda hoje, um modelo de caixa, próprio do século XIX, e não um modelo de criação de valor, como terá de ser o modelo do século XXI. Portugal deve, neste campo, proceder a uma reforma profunda, garantindo que todos funcionários públicos sejam premiados por criar valor para a sociedade, como decorrerá de um modelo de contabilidade de acréscimo, e não por meramente gerirem uma tesouraria vetusta.
Na década de 90 do século passado, a lufada de ar fresco resultou do redimensionamento da ação do Estado, que de interventor passou a mero regulador. Nada mais correto naquele momento histórico. Porém, hoje em dia, soluções como o blockchain podem tornar obsoletos modelos de “heteroregulação”, legitimando, em termos totalmente seguros e transparentes, soluções totalmente autoreguladas. Assim, pela primeira vez na História, os modelos de autoridade estão a concorrer com modelos de base cooperativa.
Finalmente, é difícil de entender que, em 2019, não exista ainda cadastro territorial; ou seja, o Estado não conhece o seu próprio território. Assim, e para que se inicie um processo de reforma robusto, é essencial que o Estado defina as suas novas fronteiras. E essas fronteiras deverão ser as internas, ou seja, os polígonos matriciais.