As eleições para o Parlamento Europeu são aquelas que, habitualmente, menos dizem aos europeus, apesar da sua influência decisiva para a manutenção da qualidade de vida atual, e ainda mais quando pensamos a médio prazo. Habituados a usar este momento para utilizar o voto de protesto, os eleitores poderão este ano dar mais visibilidade ao ato eleitoral, e marcar até uma nova agenda estrutural para a União Europeia.

Com o processo de saída do Reino Unido em curso (ainda que com muitas reticências e dificuldades), não haverá eleitos provenientes da velha Albion, pelo que a reconfiguração do Parlamento Europeu será inevitável. Mas onde a linha divisória ideológica estava muito associada ao tradicional confronto entre centro-esquerda e centro-direita, deverá encontrar-se uma nova frente. Mais concretamente, os europeístas em confronto com os eurocépticos. Com a tendência de perca de peso do centro político, tradicionalmente globalista e pró-europeu, o debate sobre as reformas estruturais na zona euro – onde se adivinham também tensões relacionadas entre interesses da Europa periférica e Europa do centro do euro – poderá ganhar outra dimensão, proporcional ao peso que virão a ter as forças políticas mais eurocéticas.

Este novo cenário poderá reconfigurar as tradicionais linhas de divisão ideológica dentro dos partidos ditos convencionais, em nome do euro. Afinal, são os momentos de grande exigência que criam, muitas vezes, as mais improváveis alianças.

A Europa é uma encruzilhada de difíceis equilíbrios políticos

Até agora a agenda de uma União Europeia mais integrada e reformada tem prevalecido sobre os receios de uma desintegração do projeto europeu e, para isso, muito tem contribuído a capacidade do Banco Central Europeu em manter o sistema financeiro estabilizado. Adicionalmente, os passos que foram dados no sentido de construir uma União Bancária e assegurar uma espécie de colete à prova de bala em torno da moeda única, apesar de não estarem completos, deram um sinal muito favorável aos mercados financeiros acerca do que é o guidance futuro.

Estes pilares, apesar de agitados pela vitória a favor da saída do Reino Unido da UE, pela instabilidade social em França ou até pelo governo eurocético em Itália, têm mantido alguma imunidade por parte dos mercados internacionais e dos observadores a estes eventos de caráter geopolítico.

Brexit, um novo referendo ou um Briback?

No entanto, a incerteza nunca deixa de estar presente, mesmo depois de se assumir como garantido um determinado rumo. O Brexit é disso o mais acabado exemplo. Na sequência de uma série de dissabores internos, o cenário de uma saída desordenada (hard Brexit) após 29 de março tornou-se mais provável e, neste momento, negoceia-se até uma eventual extensão do tempo necessário para que o Reino Unido reúna as condições necessárias para efetivar a saída da UE.

Essa eventual extensão pode ser um fator indutor de alteração total, uma espécie de “game-changer”. Apesar da probabilidade ser ainda baixa, a remoção de um contra-relógio permitiria uma gama de resultados materialmente mais ampla, incluindo um cenário de Briback. Do ponto de vista económico, seria provável que desencadeasse uma recuperação do PIB, à medida que as empresas e as famílias começassem a normalizar a dinâmica pré-referendo. Bem como uma inversão no atual cenário de euroceticismo.

Já com os efeitos da incerteza elevada e do planeamento de contingência sem negociação visíveis nos dados macro, a única variável mais importante é o tempo: quanto mais tempo o impasse for mantido, maiores serão as perdas económicas e maior o arrasto na atividade.

Resta saber se a União Europeia está interessada em mostrar pragmatismo e tem vontade de evitar novo impasse. Quanto mais inflexível for a União no conteúdo (nomeadamente no tema da Irlanda do Norte, por exemplo), mais tempo terá que estar preparada para dar. Por outro lado, obter a ratificação a tempo pode implicar alterações significativas no conteúdo existente. Será interessante acompanhar as indicações da EU sobre esse trade-off e perceber se há disponibilidade para ajustar o conteúdo ou prolongar o período de negociação.

Na Europa continental, Espanha poderá ser o berço de nova bolsa de euroceticismo

A Europa continental está cada vez mais dividida relativamente à sua opção pelo caminho do euro, com os primeiros sinais a terem origem em Itália, que elegeu uma maioria parlamentar eurocéptica. Apesar da divisão ideológica esquerda/direita dos partidos antissistema impedir alguns consensos, o recente braço de ferro orçamental foi uma evidência clara de que algo está a mudar na relação com a União Europeia. Em França, o presidente Macron teve de ceder perante as exigências dos “coletes amarelos”, e o maior partido antissistema, a Frente Nacional, angaria crescentes apoios, podendo estruturalmente mudar a face da França europeísta, socialmente solidária.

A realização de eleições antecipadas em Espanha em final de abril é uma nova zona de teste à erosão do centro político, e dificilmente o próximo executivo não integrará partidos com matriz eurocética, seja o Podemos à esquerda ou o recém-criado Vox à direita. Isto significa que quem quer seja o vencedor nestas próximas eleições, se quiser formar governo de acordo com a matriz ideológica tradicional (esquerda versus direita) terá de ceder a agendas menos favoráveis ao projeto europeu e a reformas estruturais que permitam maior integração e com capacidade de proteger a Europa de futuros choques.

Quanto maior for a fragmentação dos sistemas partidários, como o que está a ser visível em Espanha, maior será a resistência à criação de consensos robustos que permitam lidar com problemas a médio prazo destes países – como seja os desafios da reorganização da tributação e competitividade, ou de uma população envelhecida (pensões), ou da sustentabilidade do sistema social. A tentação de optar pelo politicamente populista e imediato, pelo politicamente necessário e pouco visível é grande, e a fatura poderá ser bastante elevada para as futuras gerações.

Nas eleições europeias, o centro político poderá perder a maioria

É neste contexto de grande fragmentação política e ideológica que viveremos as próximas eleições europeias. O centro político europeísta está sob grande pressão e pode perder capacidade para liderar um consenso de maior integração.

Por um lado, os partidos ingleses já não serão contabilizados para os equilíbrios, pelo que à partida há que contar com menos eleitos e com menos contributos para as famílias políticas mais europeístas, como é o caso dos trabalhistas cujos eleitos integravam o grupo Socialistas & Democratas de centro-esquerda.

Por outro lado, temos ganhos potenciais significativos para a direita eurocética e nacionalista europeia, beneficiando os partidos do poder em Itália (Liga), Alemanha (AfD) e França (FN) e também a esquerda antissistema e eurocética (Movimento 5S). De acordo com as sondagens mais recentes, o tradicional centro político europeu teria cerca de 45% dos eleitos, o que é inédito. O PPE (centro direita) teria 183 lugares, enquanto os Socialistas Europeus atingiriam apenas 135 lugares. No campo das famílias pró-europeístas sobrariam os Liberais do ALDE, em aliança eventual com o movimento En Marche, de Macron (93 lugares caso se sentem juntos), essenciais para obter consensos a favor da integração.

Maior ou menor União? A nova linha política e as potenciais geringonças do euro

Tudo aponta para uma redefinição dos equilíbrios de poder não apenas nas eleições para o Parlamento Europeu, mas também ao nível da política interna dos países do euro. O paradigma poderá originar a queda de dogmas em torno do eterno debate de valores de esquerda ou direita, de forma a permitir consensos em torno de um novo e fraturante debate. Mais ou menos Europa? Mais ou menos protecionismo? E, sobretudo, mais reformas para reconquistar competitividade.

A maior fragmentação política ao nível dos países exigirá amplos e mais evidentes consensos nacionais em torno dos partidos políticos que, durante muito tempo, viveram em situação de oposição clara em termos de narrativa política. Em algumas situações será muito possível que voltemos a assistir à criação de Grandes Coligações, verdadeiras Gerigonças do Euro, construídas em torno daquilo que é neste momento o maior consenso ideológico entre os europeístas convictos – apenas uma maior integração europeia pode evitar crises sistémicas e conferir uma melhor qualidade de vida às futuras gerações.