A América Latina tem sido objeto das atenções mais recentes. Correntes migratórias intermináveis, movimentos políticos quase experimentais, iliteracia e pobreza, a par com novos protagonistas na literatura, na religião, no desporto e na música. Mas, na generalidade, é pouco considerada e reconhecida.
O Continente americano tem uma idiossincrasia muito própria. Os Estados Unidos começaram por professar uma estratégia em princípios do seculo XIX, com base no conceito reducionista, designada por Doutrina Monroe, que partia da afirmação anticolonialista (principalmente anti-britânica) de que a “América era para os americanos”, recusando a intervenção em conflitos com países europeus e olhando para o continente americano como um todo.
A fronteira onde Trump ainda sonha erguer um muro que divida parte deste mundo, marca a diferença efetiva entre dois mundos. A norte os EUA, ricos e que fazem sonhar e o Canadá, mais anónimo e neutral, simpático mas híbrido, e a sul, todo um mundo de diferenças e confusões, onde a latinidade impera numa presença histórica marcada por portugueses e espanhóis, que chegaram a dividir entre si o mundo em Tordesilhas.
É esta parte do mundo que tem sido centro de grandiosos acontecimentos ao longo dos anos, palco de aventuras épicas e episódios que marcaram a história, política e romanticamente. De Bolívar a Che Guevara, Fidel Castro, Perón ou Salvador Allende. Todos protagonistas de momentos que marcam, ainda e sempre, anos e décadas.
As atenções atuais prendem-se com as sucessivas ondas de mudança e de instabilidade que ali se vivem, com marcas maiores na última década: Venezuela, Bolívia, Colômbia, Brasil, Argentina, Chile, Equador, Cuba, Haiti, cada país um caso, cada caso uma nova dimensão. Países onde o esforço de democracia se conjuga com regimes autoritários, onde a vontade de estabilizar rapidamente é vencida pela demagogia, pelo populismo e pelo aumento de pobreza sistémica. Em cada momento em que se julga alcançada a paz, o entendimento, logo aquela é rasgada por uma nova fase, nem sempre com longevidade, exceto em novas autocracias que se erguem.
Visto à distância de um oceano, regozijamo-nos com o acordo na Colômbia, entre o ex- presidente Juan Manuel Santos e as FARC. Feito que agora parece esmorecer perante a pressão migratória da vizinha Venezuela, e com o reacender da ação dos guerrilheiros mais interessados em negócios do que na integração política. Ou a Venezuela, abandonada pelos media e pela comunidade internacional, face ao imbróglio político, enquanto a população sofre provações e o poder parece alheado de tudo exceto a manutenção do statu quo.
Agora o Chile, um dos países que se julgava mais estabilizado do ponto de vista político e social, sai à rua. A Bolívia, onde aparentemente a democracia e o Estado de Direito são atropelados pelo chamamento do poder e não pela realização do poder. Ou a Argentina, que vê regressar ao centro político quem dele foi afastado e contribuiu, no passado, para o afundamento da economia.
Distintas democracias estas – embora impere o resultado eleitoral, a ética parece que se afasta. E parece que nalguns destes regimes as influências não terão apenas origens internas nem produzirão movimentos sociais espontâneos. Procuremos a origem destes fenómenos para perceber os resultados. A pobreza não justifica tudo. Mas também aqui os extremismos podem começar a ganhar o seu espaço.