Constitui prática de fim de ano olhar para o passado mais próximo e verificar quais os acontecimentos que mais marcaram o nosso quotidiano e sobreviveram à espuma dos dias. Essa análise tem várias dimensões e vertentes. Factos nacionais ou internacionais, eventos extraordinários que, pela sua originalidade ou natureza extrema e ferocidade, nos deixam com recordações, normalmente pouco agradáveis e que se integram na história que haveremos de revisitar. A par destas análises procura-se ainda identificar uma palavra, expressão ou imagem que transmita aquilo que deixa uma marca especial que nos liga ao acontecimento.
Estamos certos de que não será difícil encontrar um significativo consenso em torno do coronavírus e das situações decorrentes da sua disseminação, como seja, a pandemia ou o confinamento, que ficam de forma indelével como a marca registada daquele no sentimento de cada um. E apesar de ter ocupado, e de ainda ocupar primeiras páginas e sucessivas aberturas de noticiários de todo o mundo, há factos que marcaram o ano de 2020 cujo lastro deixa um registo para as páginas da história.
Na política nacional, e indo além dos efeitos da Covid-19 e das consequências diretas na governação, o que mais marca o ano é o desabar da geringonça e os conflitos no seio da esquerda, entre os que querem chegar ao governo e os que querem condicionar o poder, numa marcação ao executivo socialista, que já evidenciou melhores dias e começa a dar sinais de desgaste profundo, onde sobrevivência conjuga com continuidade e governação já não rima com estratégias de futuro.
No plano europeu, as perspetivas são sombrias, sobrevive-se mais do que se evolui. São visíveis as divergências entre os Estados-membros, os titulares de discurso de interesse nacional e a perda de sentido europeu, com uma falta de liderança carismática, pontualmente marcada pelo programa financeiro e uma resposta fundamental para evitar uma crise destrutiva do projeto comunitário.
A vitória de Joe Biden e o bizarro comportamento de Trump constituem um vinco indelével deste ano, que marcará os anos vindouros. A forma como este marcha contra todos deixa antever que Donald pode ter perdido a batalha, mas que nunca erguerá a bandeira branca da desistência.
Não será o calendário que deixará para trás as marcas deste ano e estes factos estarão presentes e pontuam a nossa existência próxima futura. Nem a esquerda deixará de condicionar o poder enquanto a direita se reorganiza, nem a Europa verá uma liderança efetiva, agravada pela anunciada saída de Angela Merkel, desaparecendo a protagonista europeia deste século, enquanto a sombra de Trump perseguirá o bom senso.
A humanidade ficou beliscada com a doença e descobriu que a discriminação e a violência continuam presentes no seu dia a dia. Em 2021 até pode haver vacina para travar o vírus, mas ainda não haverá um mecanismo de imunidade de grupo para as minorias, os perseguidos e as vítimas da violência e da estupidez humana. “All lives matter…”.