Muito se tem escrito sobre os efeitos perniciosos das redes sociais no debate público. Embora democratizando o acesso à expressão da opinião e propiciando o alargamento à escala global da discussão, as redes sociais tornaram-se num meio de veiculação e meteórica propagação de informações falsas e insultos, despertando em muitos o Torquemada de sofá que encerram no seu íntimo, condenando à perseguição e ao enxovalho público, de dedo em riste sobre o teclado, os que tomam por hereges.

Vários antigos executivos de redes sociais têm vindo a público alertar para os perigos do monstro que ajudaram a criar. Sean Parker, antigo presidente do Facebook, lamenta que esta rede social tenha alterado a relação dos indivíduos com a sociedade e entre si. Chamath Palihapityia, antigo executivo da mesma empresa, considera ter-se o Facebook tornado num veículo de desinformação.

A impunidade assegurada pelo anonimato e pela distância física do outro, dá azo à expressão de  opiniões que, de outra forma, seriam silenciadas por pudor. Por outro lado, a necessidade por muitos sentida do reconhecimento e aprovação dos outros que, no mundo virtual, se mede pelo número de “gostos” e de partilhas do conteúdo publicado, explorando, como diz Parker, “uma vulnerabilidade da psicologia humana”, propicia a difusão de informações sem a devida ponderação e o cuidado de verificação da sua veracidade.

As consequências são conhecidas: não apenas a discussão pública se degradou, com a banalização da agressão verbal e a proliferação de notícias falsas ou manipuladas, como terá contribuído, com grande probabilidade, para o crescimento de forças políticas radicais, que coincide no tempo com a generalização do uso das redes sociais.

Outra das consequências perversas deste ambiente tenso é a tentação dos agentes políticos e das instituições de se deixarem condicionar pela pressão gerada pelo ruído criado por estas plataformas.

A necessidade de tomar decisões que correspondam aos clamores expressos online, põe em causa a racionalidade, a ponderação e a própria defesa do bem comum de que carecem as decisões. Criou-se o que o filósofo Roger Scruton chama de “webiscito”, pois sobre todos os assuntos abundam opiniões, às quais os responsáveis por vezes se mostram receptivos, em busca de aprovação popular. A procura da popularidade pode, assim, facilmente resultar no encontro com o populismo.

A cedência às indignações expressas nas redes sociais atingiu mesmo instituições como a tradicionalmente circunspecta realeza britânica que, abandonando o velho adágio de Disraeli de “nunca te queixes, nunca te expliques”, que tinha por hábito seguir, forçou recentemente um membro da família à indignidade de pedir públicas desculpas por usar uma jóia pretensamente ofensiva para com as origens africanas da noiva de um príncipe da Casa de Windsor. Popularidade oblige.

Em Portugal, a política parece seguir também esta tendência, e são vários os exemplos nos últimos meses. A precipitada resposta do Governo aos protestos contra o uso do Panteão Nacional para eventos sociais ou o abrupto fecho de uma discoteca, conhecida há muito por episódios violentos, mas só encerrada após a divulgação de um vídeo expondo agressões por seguranças do estabelecimento, são dois episódios de manifesta cedência à vox populi expressa nas redes sociais. Em si mesmos, são eventos de pouca monta, mas a atitude do Executivo denunciou uma vulnerabilidade aos clamores populares que, em matérias de maior importância, é potencialmente perigosa.

Fez mal o Governo em agir deste modo; mostrou-se meramente reactivo, agindo ao sabor das indignações da opinião pública. É certo que não deve ignorá-la, mas não se pode submeter totalmente a ela.

Em suma, governo para o povo e não pelo povo: é isto a democracia representativa, que impõe, não raras vezes, decidir contra, ou apesar, da opinião da rua ou, nos tempos que correm, das redes sociais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.