O Governo pretende dar carta branca aos municípios para que estes se possam endividar junto do Fundo de Apoio Municipal para resgatar as concessões de águas, saneamento e resíduos urbanos. Em causa poderão estar indemnizações no valor de largas centenas de milhões de euros, que serão pagos pelos contribuintes e que, provavelmente, na sua maior parte sairão do país rumo a outras paragens.

Há situações em que é possível conciliar a ideologia com a racionalidade, com decisões políticas que, não sendo consensuais, têm um objetivo que se compreende. Mas esta não aparenta ser uma dessas situações. O que se ganha com os resgates dessas concessões, se, ao que tudo indica, os mesmos não vão conduzir a um melhor serviço ou a uma descida dos custos suportados pelos consumidores?

Que benefício se obtém com o aumento da dívida das autarquias, para que possam pagar as indemnizações exigidas pelos concessionários? O que ganha Portugal com a reversão de compromissos assumidos com investidores estrangeiros, numa altura em que, mais do que nunca, precisa de investimento privado para que a economia possa recuperar da mais profunda crise de que há memória?

Evidentemente, pode dar-se o caso de os resgates se justificarem. Mas o Governo, que é quem poderia explicar e fundamentar esta medida, prefere fazer como Pilatos e lavar as mãos do assunto, argumentando que a decisão cabe às autarquias (ver notícia na página 3). Isto apesar de ser o Governo o responsável pela criação das condições para que as câmaras possam resgatar as concessões.

Portugal não pode dar-se ao luxo de passar a ser visto como o país onde as reversões são o “novo normal”, pelo que estas medidas têm de ser devidamente explicadas, para que se comprove que, de facto, é o interesse público que prevalece e não o de lobbies desejosos de deitar a mão a estas concessões.