O modo de acesso aos centros de poder político tende a obedecer a limitações e a rituais que enfatizam a sua relevância e sublinham a entrada num espaço diferente, tendencialmente inacessível ao homem comum. O império otomano terá sido o regime em que esse local de separação – a Sublime Porta – foi objecto de maior destaque, tendo o seu nome sido rapidamente confundido com o do próprio governo que se albergava atrás de si. No mundo físico, as portas e portões, sublimes ou não, continuam a delimitar espaços e a permitir ou barrar acessos e comportamentos.

Apesar da magnificência de muitos dos portais físicos ou da solidez defensiva com que estes se aferrolham, têm um alcance muito limitado na gestão e condução de fluxos, nomeadamente económicos, quando contrapostos aos seus equivalentes digitais. Estes são, verdadeiramente, as principais portas do tempo presente, permitindo que números altíssimos – impensáveis até há relativamente pouco tempo – de empresas e consumidores se encontrem e comerceiem.

A intermediação e os respectivos “guardiões” ou “porteiros” parecem ter assumido um papel nunca antes visto na história da humanidade. Mais do que meros obstáculos ou facilitadores, tornaram-se empresários, polícias e legisladores, bem como detentores de um manancial quase inesgotável da maior riqueza do século XXI: os dados.

Face à desactualização da legislação europeia relativa ao comércio electrónico, incapaz de integrar de modo satisfatório a aceleração exponencial verificada pela economia digital, a Comissão Europeia apresentou no dia 15 de Dezembro duas propostas de regulamentos: o Digital Services Act e o Digital Markets Act.

A primeira destina-se a reger as obrigações aplicáveis a todos os serviços que actuem como intermediários na ligação dos consumidores a bens, serviços e conteúdos digitais, enquanto a segunda aborda as consequências negativas decorrentes de comportamentos das plataformas que actuam como intermediários digitais e que têm um impacto muito significativo no mercado interno, nomeadamente motores de busca, redes sociais ou serviços de intermediação online.

Estas são as verdadeiras Sublimes Portas da actualidade, funcionando como modo de entrada preferencial no mercado para empresas e consumidores e gozando de uma posição económica e de intermediação forte, tendencialmente consolidada e duradoura.

O Digital Services Act introduzirá uma série de novas obrigações harmonizadas em toda a UE para os serviços digitais, enquanto o Digital Markets Act procurará evitar a imposição de condições injustas às empresas e aos consumidores e garantir a abertura dos serviços digitais mais importantes.

Segundo a Comissão Europeia, as propostas apresentadas têm subjacente a ambição de estruturar normativamente o espaço digital europeu durante as próximas décadas. Saúda-se esse propósito de estabilidade legislativa que as empresas agradecem. O trabalho de co-legislação começa agora. Depois dos debates internos e em simultâneo, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia terão de entender-se quanto ao teor final dos textos agora propostos.

Se é verdade que será sempre necessário assegurar o respeito pelos direitos fundamentais dos consumidores e garantir razoável igualdade comercial, não o é menos que este tipo de serviços não são associações benemerentes nem podem ser entendidas como tal. Como sempre, o difícil será encontrar o equilíbrio justo entre interesses nem sempre coincidentes.

As Sublimes Portas do tempo presente não podem transformar-se em portinholas de saloon, abertas com um sopro, nem em portões de fortalezas, fechadas por defeito. A economia digital assenta na agilidade, na criatividade e na multiplicidade de hipóteses negociais, tantas quantas as ligações em rede, mas também dependerá da segurança dos seus utilizadores, em particular dos consumidores, e na justiça relativa entre agentes comerciais, produtos e serviços. O modelo de porta que os legisladores europeus escolherem condicionará em muito o tipo de mercado que teremos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.