A demissão do CEO do Serviço Nacional de Saúde (SNS) acaba por acontecer por motivos não relacionados ao seu desempenho no cargo, quando o esperado seria que um CEO do SNS fosse afastado por incapacidade de lidar com a complexidade e o caos instalado no sistema. A sua nomeação não levantou dúvidas à Sra. Ministra, embora, entretanto, se saiba que a acumulação de funções constava do relatório da CreSap. Dele foi dito que tinha um curriculum inquestionável.
Foi também dito pela Sra. Ministra que Gandra D’Almeida tinha uma visão para o SNS que se traduzia em “potenciar a capacidade do SNS e das suas unidades de saúde trabalharem em rede”. Não faço ideia que tipo de “visão” é esta, que simplesmente procura optimizar um sistema que já existe, mas que não o altera.
Lembro-me de há uns anos ter estado na House of Lords à conversa durante umas horas com Lord Baron Crisp, of Eaglescliffe, membro independente da casa. Um tipo excelente. O Nigel foi Permanent Secretary para a saúde e CEO do NHS. Tem uma obra extensa sobre saúde, tendo, em 2013, liderado um estudo comissionado pela Fundação Calouste de Gulbenkian sobre o futuro da saúde em Portugal.
O estudo articulava uma verdadeira visão partindo de um princípio importante de que “existe um consenso na sociedade portuguesa para a manutenção de um Sistema Nacional de Saúde, equitativo, acessível a todos os cidadãos e baseado no princípio da solidariedade social”. Também reconhecia os desafios financeiros do sistema.
Decorridos dez anos da publicação do relatório final, o SNS está ainda pior e pouco ou nada foi feito em relação ao que nesse relatório foi apontado.
A aposta na prevenção e promoção da saúde é incipiente, os cuidados de saúde primários não chegam a todos e as respostas de serviços na comunidade, sobretudo para os mais velhos com condições crónicas, são practicamente inexistentes. Não só nada foi feito como se fez o contrário. O sector privado cresceu 50% nos últimos oito anos, segundo a CBRE Portugal. Já entre 2014 e 2017, o número de hospitais cresceu 8%, com a construção de 17 unidades hospitalares privadas e uma pública.
Nigel Crisp e os autores do relatório da Gulbenkian falavam de um futuro com menos hospitais e mais comunidade. Mas, essencialmente, um sistema público.
Confesso que não sei que visão para a saúde está a ser seguida em Portugal. O que sei é que não é aquela que a maioria dos portugueses preferem, nem a do meu caro Nigel Crisp e da sua equipa. E também não é a do Dr. Gandra D’Almeida. Que visão terá Álvaro Santos Almeida? Não interessa.