Manuela, 50 anos, chefe de zona da indústria farmacêutica, descobre que tem cancro e comunica à empresa. Em resposta, o diretor convida-a a rescindir o contrato alegando que, devido aos tratamentos de saúde a que a colaboradora teria de se sujeitar, “iria ficar feia” e deixar de ser uma mais-valia para a empresa. Perante os motivos invocados e uma proposta de indemnização de baixo valor, que não lhe permitia sustentar o filho nem a mãe a cargo, Manuela recusa sair. E aí começou o calvário.
Foi destituída de funções, substituída pelo namorado – que trabalhava na mesma empresa – e colocada numa sala vazia. Nesse espaço, totalmente envidraçado e à vista dos colegas, tinha apenas uma secretária, uma resma de papel e uma caneta. A sua nova função era transcrever à mão os nomes de todas as farmácias existentes. Como já não era chefe de zona, passou a ter um carro a gasolina em vez de gasóleo, ficou sem o cartão de combustível, sem o subsídio de isenção de horário de trabalho, despesas de representação e retribuição variável.
Manuela resistiu, fez o que lhe mandaram. Mas quando acabou de escrever a lista de todas as farmácias existentes, tiraram-lhe a mesa e depois a cadeira. Sentou-se no chão da sala dia após dia, à frente dos colegas que estavam proibidos de lhe falar. A porta do gabinete foi retirada para que todos ouvissem as suas conversas ao telemóvel. A empresa acabou por despedi-la com justa causa e, em tribunal, Manuela chegou a acordo com a empresa que lhe pagou tudo aquilo que ela pediu, incluindo uma indemnização por danos morais.
Apesar dos danos físicos e psicológicos que pode causar, o assédio moral no local de trabalho é um fenómeno ainda com pouca visibilidade em Portugal. A advogada Rita Garcia Pereira, que apresentou o caso de Manuela em tribunal, conta que “durante anos” não se falou do assunto, apesar de o problema não ser tão raro como possa parecer.
Segundo o mais recente estudo sobre o tema – “Assédio Sexual e Moral no Local de Trabalho em Portugal” –, em 2015 verificou-se que 16,5% da população ativa portuguesa já tinha vivido uma situação de assédio moral ao longo do seu percurso profissional. O valor é elevado, quando comparado com outros países europeus, sobre os quais as estatísticas oficiais apontam para uma média de 4,1%.
O estudo, coordenado pela socióloga Anália Torres e promovido pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), mostra que, em Portugal, as mulheres são o alvo preferencial (16,7%) do assédio, mas que há também uma significativa percentagem de vítimas entre os homens (15,9%).
A intimidação e a perseguição profissional são as situações de assédio moral mais frequentes, seguidas da humilhação pessoal e do isolamento social. Foi o que aconteceu a um grupo de funcionários do setor bancário que, ao chegarem ao local de trabalho, deram de caras com vários seguranças, vestidos de preto, que os impediram de aceder aos seus postos de trabalho, alegando que iriam ser objeto de um despedimento colectivo. Perante a recusa de irem para casa, os funcionários foram colocados numa sala sem lugares sentados para todos, avançando de seguida com uma providência cautelar que obrigou o banco a reintegrá-los. Os trabalhadores foram então colocados num piso vazio que, durante seis meses, nunca foi limpo nem teve papel higiénico. Os colegas foram proibidos de lhes dirigir a palavra e, com apenas um computador para todos, tinham como única tarefa fundamentarem o seu próprio despedimento.
Tanto no caso de Manuela como no do grupo de funcionários do setor bancário, os autores do assédio foram os seus superiores hierárquicos ou chefias diretas, o que, segundo o estudo da CITE, acontece em mais de 80% dos casos, sejam as vítimas homens ou mulheres. Mas também há assédio moral entre colegas (cerca de 13%) ou da autoria de clientes, fornecedores ou utentes (1%).
Outro fenómeno comum aos dois sexos é o vínculo contratual da vítima de assédio moral: a maioria é precária. Mais de metade das mulheres afetadas (52,3%) tinha contrato a termo enquanto nos homens essa percentagem era de 48,8%.
Por sua vez, os setores de atividade mais representativos variam consoante as vítimas de assédio sejam mulheres ou homens: no primeiro caso as situações mais frequentes ocorrem no setor do alojamento, restauração e similares, enquanto no segundo caso o setor mais reportado é o do comércio.
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