Mais uma vez as comemorações do 25 de Abril são salpicadas por comentários de profundo reaccionarismo ou puro dislate. Naturalmente, a par da, pura e simples, falsificação(1). Sempre a tentativa de reescrever a história e/ou servir de arma de arremesso no presente.

Sempre a pretensão de uma Revolução feita a régua e esquadro. Para alguns parece ser lamentável que ela não tenha sido decretada pela Assembleia Nacional fascista. A tese da “assembleia selvagem” para descrever a assembleia do MFA que se seguiu ao 11 de Março é a última pérola desses analistas e comentadores. Sem muito esforço, concluirão facilmente que todo o 25 de Abril e todas as acções e decisões das estruturas de poder criadas pela Revolução, foram uma movimentação, um contínuo processo “selvagem” de militares e povo. Inclusive as alterações na sua composição após o Golpe Palma Carlos, o 28 de Setembro e o 11 de Março. Como sucede também no contragolpe do 25 de Novembro.

Outra técnica de subversão histórica é a caracterização dos seus eixos e acontecimentos fundamentais através de factos/acontecimentos com um peso insignificante, por vezes laterais ou mesmo anedóticos no seu desenvolvimento. Com generalizações abusivas e extrapolações ridículas ou desmesuradas. Qualquer coisa do tipo de identificar a intervenção de forças de esquerda, como o PCP, com a actividade de grupúsculos esquerdistas e/ou provocações do MRPP.

É o caso de um comentador(2) que ao querer explicar as “confusões do PREC” resume “(…) o Verão Quente, e a diferença essencial entre comunistas e liberais (…)” pela cena da “enxada” no filme “Torre Bela”, sobre a ocupação da herdade do Duque de Lafões em Aveiras/Azambuja. Torre Bela é um paradigma da intervenção nos campos do “radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista” no pós 25 de Abril. E que sempre é usado como forma de desacreditar a Reforma Agrária. Situação perfeitamente minoritária e isolada no contexto da Reforma Agrária, pretende-se através do uso das suas imagens anedóticas e/ou do revolucionarismo agudo que as embebe, falsificar a heroica luta dos trabalhadores rurais do Alentejo e Ribatejo na ocupação do latifúndio e construção das UCP/Cooperativas.

Mas não foi o primeiro. Em 2014, nos 40 anos de Abril, a RTP 1 promoveu um documentário sobre a Reforma Agrária. E a par das coisas certas ditas por trabalhadores da Reforma Agrária, o filme não resistiu à caricatura. E lá inseriu no documentário (sem referir sequer a sua origem) o diálogo do filme “Torre Bela”, em torno da propriedade da enxada – entre um pequeno camponês e um dirigente da Cooperativa. Um problema que não foi problema na Reforma Agrária!

É uma pena que “para resumir o Verão Quente, e a diferença essencial entre comunistas e liberais (…)”, o comentador do Público não se tivesse lembrado de mostrar as notícias das explosões bombistas e as fotografias dos assassinados nessas hediondas operações terroristas contra o 25 de Abril.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

(1) Raquel Varela, “A Revolução dos Cravos: quando o impossível se tornou inevitável”, Público, 25ABR19 – uma versão falsificada segundo os cânones de um anarco-sindicalismo serôdio e teses do maoismo da época; (2) João Miguel Tavares, “Para explicar a revolução é usar uma enxada”, Público, 25ABR19.