A pandemia que enfrentamos veio impor-nos um “distanciamento social” e um confinamento geral, cujo impacto se faz sentir em todas as áreas da nossa vida. Também no “governo das sociedades” a pandemia tem repercussões diretas e prementes, entre muitos outros, no funcionamento das assembleias gerais que por esta altura do ano ocorrem na esmagadora maioria das sociedades portuguesas.

Entre recomendações e imposições de vivermos com “distanciamento social” e confinados na medida do possível, ficou claro para todos que a realização das assembleias gerais anuais não poderia ocorrer nos moldes tradicionais. Como forma de superar estas dificuldades e permitir que a vida das sociedades não pare, temos assistido à realização de várias assembleias gerais exclusivamente através de meios telemáticos.

Este formato de assembleias gerais, não obstante já se encontrar previsto no nosso ordenamento jurídico desde 2006, praticamente não conhecia aplicação prática entre nós até ao momento.

Esta “nova prática” veio obrigar os agentes a reinventarem regras e procedimentos, formas de interação e de discussão no contexto societário. Como em todas as mudanças na vida, há riscos que se devem ponderar, oportunidades que se geram e receios que são criados.

Alguns dos riscos a lei procura mitigar, mas outros há que só a prática, a experiência e a diligência dos agentes resolverá. Por exemplo, no plano legal, a realização de assembleias gerais através de meios telemáticos pressupõe que a sociedade assegure a autenticidade das declarações, a segurança das comunicações e proceda ao registo do conteúdo e dos intervenientes.

Além de garantirem o cumprimento destes requisitos, é indispensável, também, que as próprias sociedades implementem mecanismos adequados à participação dos sócios neste tipo de assembleias; ao exercício do seu direito de voto nesse contexto; e a garantir o pleno exercício do “direito de informação” por parte dos sócios.

Muito para além da perspetiva jurídica estrita, é fundamental que em cada sociedade exista um conjunto de regras e procedimentos que gere confiança aos seus sócios. Apenas mitigando os riscos se poderão potenciar as oportunidades geradas pelas assembleias gerais “à distância”, que são múltiplas.

Desde logo, a vantagem de permitir que a vida societária seja mais ágil e não pare mesmo em tempos de pandemia, o que é fundamental pois há compromissos vários de enorme relevância para a vida das sociedades que dependem de deliberações em tempo dos sócios. Por exemplo, a aprovação das contas anuais até 31 de março é para muitas sociedades indispensável, sob pena de incumprimento de contratos de financiamento ou de outros contratos similares (que a moratória excecional prevista para este ano não resolve).

As assembleias gerais telemáticas têm ainda a virtualidade de potenciar a participação dos sócios e permitir assim um desejável aumento do seu envolvimento na vida das sociedades. Na verdade, a participação dos sócios numa assembleia realizada por meios telemáticos é substancialmente menos onerosa para os próprios do que a realizada nos termos tradicionais, estando à distância de apenas dois ou três cliques.

Não se devem, porém, desconsiderar os receios que são criados com o recurso aos meios telemáticos. A imaterialidade subjacente aos meios telemáticos acarreta sempre uma dose de desconforto nos envolvidos, pois somos tentados a “ver para crer” como São Tomé.

Do mesmo modo, a forma de funcionamento das assembleias sem interação pessoal e direta, em que alguém nos pode colocar fora da “sala” sem que nada possamos fazer (pelo menos de imediato) e/ou dar ou tirar a palavra sem que o possamos interpelar diretamente, são também temas geradores de dúvidas e receios naturais.

Neste contexto, a figura do “Presidente da Mesa da Assembleia Geral” pode ser um fator crítico de conforto e segurança dos envolvidos. Será na credibilidade, firmeza, independência, conhecimento e justiça desta figura central das assembleias gerais que os sócios poderão respaldar os seus receios, pois a este cumpre garantir a todos que as reuniões se realizam de forma regular e em pleno respeito pelos direitos dos sócios, em particular dos direitos de participação, voto e informação.

Devendo estar cientes dos riscos, das oportunidades e dos receios que estas soluções representam para a vida das sociedades e dos seus sócios, será interessante acompanhar se este regresso a um “futuro” há muito idealizado pelo legislador e pela corporate governance criará raízes na nossa prática societária.