Surgiu recentemente no espaço mediático uma proposta legislativa que visa obrigar os titulares de cargos políticos a revelarem a sua pertença a organizações ditas “discretas”. Proposta que, não obstante a sua formulação geral e abstrata, terá como alvos principais a Maçonaria e a Opus Dei.

Sucede que, segundo o artigo 41º da Constituição, “ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa”. Assim mesmo, convicções no plural, prática religiosa no singular.

Portanto, se o Estado perguntar a alguém sobre a sua religião – apenas perguntar – ofende a sua liberdade religiosa. Não está somente em causa prevenir discriminações fundadas nas crenças religiosas das pessoas. Trata-se, antes de mais, de reconhecer a cada um o direito a viver a sua religiosidade como a entende.

Uma pessoa pode gritar aos quatro ventos que é católico, judeu, muçulmano ou budista. Pode viver a sua religião em comunidade, em família, de forma mais ou menos recatada. Assim como pode preferir viver a sua religiosidade na intimidade, em segredo, como tantas pessoas foram obrigadas a fazer ao longo da história.

Como o espaço normativo do preceito constitucional não abrange só o fenómeno religioso, mas antes todas as formas de liberdade de consciência, a referida proibição de perguntar protege da curiosidade do Estado a generalidade das convicções pessoais – como as convicções filosóficas, ideológicas, políticas ou até estéticas.

É evidente que a transparência da vida pública é um valor importante para o bom funcionamento do sistema político – valor, aliás, cada vez mais decisivo nas democracias contemporâneas, sob ameaça populista, em que é necessário governar em direto e à vista do povo.

É plausível, por outro lado, que a existência de vínculos especialmente fortes entre titulares de cargos políticos – vamos chamar-lhes obediências ou fidelidades não conhecidas dos cidadãos – pode gerar enviesamentos nos processos decisórios públicos, quer se trate de decisões legislativas ou governamentais, do preenchimento de cargos ou mesmo de negócios privados sob a esfera de influência do Estado.

Seria bom, em todo o caso, que esses enviesamentos estivessem minimamente documentados. Que não fossem apenas uma suspeita vaga, num domínio, aliás, particularmente propício a .

Se um médico não prescreve uma terapia sem antes fazer um diagnóstico completo do seu paciente, por que razão havemos de aceitar que o legislador prescreva uma tão clara restrição das liberdades de consciência e de religião sem revelar antes os contornos da doença que quer combater? Não me parece que seja suficiente o “achismo” tipicamente português do “todos sabem que”. Eu pessoalmente não sei, mas gostaria de saber.

O que parece evidente é que a fidelidade que mais enviesamentos gera nos processos decisórios públicos é, sem sombra de dúvida, a fidelidade partidária. É caso para dizer: “porque reparas no cisco que está no olho do teu irmão, e não te dás conta da trave que está no teu?” (Mateus, 7). De resto, nem consta que a ostensiva publicidade dos vínculos partidários tenha contribuído muito para resolver o problema que, pelos vistos, atormenta os proponentes desta nova lei.