A questão da excessiva partidarização da vida política portuguesa vem desde 1976. E volta não volta, o tema, pelas tonalidades que assume, vem assombrar-nos.
Com a aprovação da Constituição, que bloqueou qualquer hipótese de candidaturas independentes à Assembleia da República e à generalidade dos órgãos autárquicos (com excepção das Assembleias de Freguesia), cedo começou a discussão. Existiam bons argumentos de um lado e do outro.
Enquanto uns garantiam que nenhuma democracia pode funcionar com pluralismo e estabilidade sem partidos políticos, outros alertavam para o facto de os partidos não terem o exclusivo da representação política já que, se assim for, estaremos perante um verdadeiro monopólio partidário.
A esta última corrente , o tempo (e a maioria PS e PSD) foi favorável, de modo que vai para duas décadas se permitiram, por expressa permissão constitucional, candidaturas independentes para as autarquias. Contudo tal abertura não se verificou para a Assembleia da República, onde tudo continuou e continua bloqueado.
A verdade é que não constava que a lei das autarquias que passou a habilitar candidaturas de cidadãos independentes necessitasse de alterações. Ao fim e ao cabo tal lei permitiu, sem particulares constrangimentos, bem-sucedidas listas de independentes, que ganharam eleições em concelhos de peso (dos quais os mais significativos terão sido Oeiras e Porto).
E, de repente, já em fim de sessão parlamentar, no meio da pandemia, em Agosto do ano passado, PS e PSD aprovaram cirúrgicas alterações à lei, que dificultam e muito a vida de tais candidaturas.
Entre outras cito a exigência absurda de se obrigar os movimentos independentes que pretendam concorrer à Câmara, à Assembleia Municipal e às Juntas de Freguesia do mesmo concelho (que é o normal, a terem de criar movimentos independentes em cada freguesia com a multiplicação de recolha de assinaturas.
Na prática tal exigência é quase impossível de satisfazer e no plano dos princípios limitadora do exercício do direito fundamental dos cidadãos de participarem na vida política autárquica e portanto inconstitucional como muito bem escreve a Provedora da Justiça no requerimento que dirigiu ao Tribunal Constitucional a semana passada.
Soube-se entretanto que o PS se prontificou para corrigir o que veio a ser aprovado em Agosto. Mas que na iminência de tudo se manter sem alterações nas vésperas das próximas eleições, o movimento dos independentes congemina a hipótese de se constituir em partido ou de se formarem vários partidos municipalistas.
Espero bem que estas últimas hipóteses não se concretizem. Seria pior a emenda que o soneto. Para partidos já basta os que temos e, ao fim e ao cabo, seria contradizer a natureza e as virtualidades das candidaturas independentes.
Eis como uma trapalhada legislativa, de que ninguém assume a responsabilidade, pode desembocar numa fantasmagoria política.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.