O caso da jovem mulher que abandonou um bébé recém-nascido num ecoponto tem dividido a sociedade portuguesa. Há quem condene a mulher sem hesitação e também quem a defenda, atendendo às circunstâncias difíceis em que vivia. A questão é delicada e, como geralmente sucede, o debate sobre o tema rapidamente resvalou para o “tribalismo”. Para podermos manter a sanidade e a racionalidade nesta discussão, importa recordar dois aspetos.
O primeiro é que condenar o ato não é o mesmo que condenar a pessoa que o cometeu. Matar um ser humano é um ato errado e injusto, seja em que circunstância for. Muito mal estaremos, enquanto sociedade, no dia em que relativizarmos uma tentativa de homicídio de uma criança indefesa – porque é disso que se trata e não de um mero abandono. Tal não significa, porém, que tenhamos legitimidade para julgar e condenar a pessoa que o fez. Isso cabe aos tribunais, que têm obrigação de ter em conta eventuais atenuantes que possam existir, nomeadamente as circunstâncias difíceis em que a jovem vivia. Entre outras coisas, é isto que distingue a Justiça face a “alternativas” como a vingança ou o linchamento. É isto que permite que possamos sentir compaixão por aquela mãe e, ao mesmo tempo, esperar que a Justiça faça o seu trabalho. As duas coisas não são incompatíveis.
O segundo aspeto é que todos somos responsáveis pelos nossos atos, se resultarem de decisões conscientes. Fatores como o desequilíbrio emocional, a embriaguez, o uso de drogas, o desespero e o stresse extremo podem servir de atenuantes, mas a responsabilidade não deixa de existir. Salvo em situações limite de legítima defesa, ninguém é verdadeiramente obrigado a matar outro ser humano. Isto aplica-se tanto à mãe que tenta matar um bebé como ao homem que espanca a companheira ou ao assaltante que esfaqueia um transeunte. Existe sempre uma escolha e tentar transferir a responsabilidade pelos nossos atos para a sociedade – por muito que esta nos falhe –, é uma perigosa desculpabilização.
A prová-lo está a conduta de milhões de pessoas que, em circunstâncias difíceis, não matam nem roubam. A prová-lo está a atitude do ‘sem-abrigo’ que, com os seus muitos problemas, podia simplesmente ter decidido que não era da sua conta, mas que em vez disso escolheu salvar o menino.