Há dias, Henrique Neto reapresentou a sua ideia de novo modelo económico para Portugal que resumiu deste modo: “Um forte empenho da sociedade portuguesa na economia do conhecimento, baseado na qualidade e na inovação e orientado para aumentos significativos de produção de bens e serviços transacionáveis” e apelou para “que no debate político que agora se vai iniciar, esta estratégia possa ser debatida, apoiada ou contrariada”.
Respondendo ao apelo de Neto para participação no debate, retomo aqui extratos de dois artigos que publiquei setembro de 2019 neste jornal por ocasião da última campanha eleitoral: “Os programas eleitorais e o segredo do crescimento” e “Sobre a nudez forte da ferrugem, o manto diáfano do digital”. Como nada mudou desde então, os artigos mantêm a sua total atualidade e pertinência.
No artigo “Os programas eleitorais e o segredo do crescimento” em que analisei os programas do PSD, PS e CDS daquele ano escrevi: Portugal precisa de uma estratégia industrial fundada em know-how especializado em determinadas áreas que já domina (know-how é definido como conhecimento tácito utilizado para novos produtos).
Segundo o Harvard’s Growth Lab no Center for International Development da Universidade de Harvard, Portugal está bem posicionado para diversificar a sua produção usando know-how existente.
A atual complexidade da economia portuguesa, classificada apenas como moderada, não permite um crescimento superior a 3.1% por ano na próxima década, o que coloca Portugal na metade inferior da tabela global.
Os países que exportam produtos de maior complexidade crescem mais depressa, pelo que o crescimento pode ser empurrado por um processo de diversificação do know-how para produzir um conjunto de serviços e produtos mais complexos.
O problema atual é que a economia exportadora está maioritariamente concentrada em produtos e serviços de baixa complexidade, como agricultura e têxteis, embora haja algum contributo de produtos de complexidade moderada, como as TIC e o turismo.
Os países com grande diversidade de know-how complexo são capazes de produzir uma maior diversidade de produtos sofisticados. Portugal diversificou na última década para um número suficiente de produtos, mas os volumes são demasiados pequenos para contribuir para crescimento significativo.
A concentração de serviços no turismo é bom exemplo de como a quantidade contribui para o crescimento da quota de mercado mundial. Os países obtêm mais sucesso com a diversificação de produtos que requerem know-how semelhante e especializado e que crescem sobre capacidades existentes.
Segundo Harvard, o know-how existente em Portugal oferece muitas oportunidades de diversificação em produtos relacionados. Todavia, é preciso eliminar os obstáculos e diminuir a distância entre produtos relacionados.
Tendo em consideração as exportações atuais, alguns sectores oferecem grande potencial de diversificação. A opção estratégica recomendada para Portugal é a produção de maquinaria e equipamentos industriais e elétricos. Sugeri exatamente isto em artigo em 2018.
Nesta tão singela recomendação de Harvard reside o segredo para o absolutamente necessário rápido crescimento da economia e consequente melhoria do bem-estar dos portugueses.
No artigo “Sobre a nudez forte da ferrugem, o manto diáfano do digital”, do mesmo modo que o fez Henrique Neto que recorda as estratégias de crescimento do Japão, abordei a estratégia de crescimento preconizada há nove anos pela Keidanren (Japan Business Federation):
A palavra ferrugem é utilizada poeticamente no título do artigo para significar indústria de todos os setores (bens e serviços), enquanto a palavra digital pretende significar sistemas para conservar ou transmitir sinais expressos como séries dos dígitos zero e um.
Em Portugal, a palavra digital alcançou um significado mirífico, muito por culpa da publicidade, e tem sido utilizada também por partidos políticos como se fora uma coisa per se ou uma modernidade por oposição ao analógico, palavra que passou a significar coisa antiga. Na prática, não há oposição: sem máquinas analógicas, tangíveis e ferrugentas (hardware) não há o intangível digital (“manufatura invisível” ou software) e sem digital a maior parte das máquinas hoje não funcionam.
Antigamente era aparentemente simples: as máquinas funcionavam apenas com recurso a tecnologias analógicas (aço, água, carvão que produziam força depois transformada em movimento). Hoje, a complexidade é infinita.
As tecnologias digitais utilizadas em conjunto permitem complexidades crescentes e introduzem profundas transformações na gestão, nos processos e atividades organizacionais, competências e modelos de negócio, criando oportunidades e acelerando impactos estratégicos na sociedade.
A estratégia industrial tem de ter em conta que as metas são um alvo em movimento, porque a transformação digital é em si mesma um roteiro de mudança e de inovação.
Alguns países utilizam corretamente a palavra indústria para englobar todo o tipo de tecnologias (os métodos, sistemas e equipamentos que resultam de conhecimento científico e são utilizados para objetivos práticos).
Algumas empresas utilizam a palavra produto para também designar serviços, sem distinguir entre a manufatura de máquinas ou das peças que as constituem e a aplicação de tecnologias digitais nos respetivos processos, sejam eles industriais ou de gestão.
Na Alemanha foi introduzido em 2011 o conceito e a estratégia conhecida como Industrie 4.0 com o objetivo de transformar aquele país em fornecedor de soluções de manufatura avançadas.
A iniciativa é baseada na estratégia High Tech 2020 do governo federal e transformou-se, entretanto, na Platform I4.0 que serve de ponto de encontro dos policy makers.
Outros países puseram em prática iniciativas semelhantes, como a Estónia (e-Estonia, 2000), Singapura (Smart Nation) ou os EUA (General Electric propôs a “Industrial Internet” em 2012).
O conceito definido pelo Japão quer ir mais longe que a quarta revolução industrial simbolizada por I4,0. Em 2016, a Keidanren (Japan Business Federation) apresentou a estratégia Sociedade 5.0 que resulta de uma análise da evolução humana em cinco momentos: caçadores-coletores; sociedade agrária; sociedade industrial; sociedade da informação; e sociedade super-inteligente (super-smart), ou seja, a Sociedade 5.0.
Esta iniciativa procura abordar vários desafios que vão para além da digitalização da economia em direção à digitalização de todos os níveis da sociedade japonesa, incluindo a transformação (digital) da sociedade ela mesmo.
Na prática, os componentes industriais de I4.0 são importantes para a Sociedade 5.0, mas esta incorpora outros stakeholders – cidadãos, governo, academia, etc.
A estratégia 5.0 considera que há cinco barreiras a vencer em direção à Sociedade 5.0:
1 – Barreira dos ministérios e agências governamentais: formulação de estratégias nacionais e a integração de um sistema de promoção do governo, um sistema IoT e um think-tank.
2 – Barreira do sistema legal: reformas regulatórias e digitalização da administrativa.
3 – Barreira das tecnologias: a procura de uma “fundação de conhecimento” em que “dados accionáveis” (actionable data) têm um papel fundacional, assim como todas as tecnologias que a protegem e a alavancam, desde a segurança cibernética, à robótica, nano tecnologias, biotecnologias, e tecnologias de sistemas.
4 – A barreira dos recursos humanos: reforma educativa, literacia TI, ampliação de skills digitais avançados, promoção do talento das mulheres.
5 – A barreira da aceitação social: a necessidade de criação de um consenso social, avaliação das implicações sociais e éticas, entre outras, da relação homem-máquina, e mesmo implicações filosóficas, como a definição de felicidade individual e sentido de humanidade.
A propostas de policy do Keidanren ao governo incluem: a) conceito; b) questões a serem abordadas; c) ações a serem executadas pelo governo; d) iniciativas da indústria. O elemento fundacional da reforma é a integração do espaço cibernético com o espaço físico (CPS — cyber space and physical space).
O novo modelo parte do entendimento de que é necessário fornecer e dar velocidade através de reformas a novos valores que respondam às necessidades nacionais.
Utilizar a força do espaço físico na competição inerente ao CPS e capitalizar na capacidade criadora da “inovação disruptiva” e da inovação baseada em questões sociais e na “manufatura invisível” (software).
Toda a estratégia parte de problemas do país: baixa natalidade; aumento da esperança de vida (super aging); desastres (terrorismo) e alterações climáticas.
E, tal como recomenda o Harvard’s Growth Lab, Keidanren recomenda para o Japão tirar partido das forças atuais que residem na indústria e somar complexidades:
- a) manufatura (hardware) + “manufatura invisível” (software); b) inovação incremental + inovação disruptiva; c) inovação baseada em tecnologia + inovação baseada em questões sociais.
O roadmap japonês é um modelo que as associações empresariais e da indústria e o governo de Portugal poderiam aproveitar como inspiração para desenvolver uma estratégia nacional fundada no conhecimento e focada no incremento de complexidades em indústrias nas quais já somos bons, e para as quais foi detetada oportunidade para sermos melhores e maiores.
O objetivo é acelerar rapidamente o crescimento da economia, um objetivo para que não bastam atividades de pequena ou moderada complexidade, como agricultura, turismo, têxteis, TIC.
Faço votos para que a informação e opinião aqui contidas sejam úteis para o debate e para a formulação de uma estratégia de crescimento para Portugal bem fundamentada, rigorosa e realista, que proporcione uma visão socialmente aceite e entendida, para verdadeiro crescimento e melhor qualidade de vida para milhões de portugueses. Com um pedido: nada de mania das grandezas nem demagogias.