Muito provavelmente, a Reserva Federal dos EUA cortará a sua taxa de juro de referência na próxima semana, finalmente acompanhando a maior parte dos bancos centrais mundiais. O mercado tem especulado acerca da possibilidade a FED iniciar um ciclo de cortes rápidos e amplos para fazer face à desaceleração da economia – cujos sinais a nível global são evidentes – num contexto de inflação mais baixa.
Só o facto de se admitir a necessidade de uma atuação mais assertiva mostra que a FED poderá estar “atrás da curva”, que é a gíria de mercado para descrever uma situação em que os bancos centrais estão atrasados na sua atuação, seja a subir ou a descer os juros. A FED não está sozinha no atraso em cortar taxas.
No caso do Banco Central Europeu, e como tenho defendido, não só as descidas foram tardias como as últimas subidas nem sequer deviam ter acontecido, tendo em conta os fatores explicativos do ciclo inflacionista e a evolução que já se vinha observando nos preços e na economia há vários meses. É verdade que a inflação subjacente (que exclui do cálculo a variação de preços de itens voláteis como a alimentação e energia) está a cair mais devagar e que inflação dos serviços continua acima das metas dos bancos centrais.
A maior preferência por serviços explica parcialmente esta situação, mas os bancos centrais também foram corresponsáveis pelo ambiente inflacionista que se viveu, com os seus discursos alarmistas quanto à persistência da inflação e que poderão ter originado uma subida dos preços mais ampla e que acabou por contagiar os salários. As políticas monetárias demasiadamente restritivas prejudicaram a economia e, especialmente, os devedores.
Os principais beneficiados foram os bancos, que viram as suas margens dispararem e, em certa medida, o próprio BCE, que capitalizou o setor bancário à custa dos devedores e criou a ilusão de um desempenho notável na gestão da inflação.
O cenário é agora mais benigno para os devedores. No caso do BCE, o mercado desconta que a taxa de referência principal (atualmente a taxa de depósitos) desça para 2.0% no final de 2025, portanto para metade dos 4.0% que representaram o máximo neste ciclo. A Euribor a 12 meses a atingiria valores semelhantes.
Tenho bastantes dúvidas que o BCE corte taxas com a mesma rapidez que está a ser descontada e, sobretudo, que o faça para níveis abaixo de 2%. Por um lado, seria admitir o erro de ter sido demasiadamente restritivo, mas sobretudo porque não arriscará voltar a perder os juros como instrumento de política monetária como aconteceu quando as taxas desceram para níveis negativos.