“O crédito ao consumo em Portugal tem vindo a afirmar-se como um pilar essencial do financiamento das famílias e da dinâmica do mercado interno, assumindo um papel crucial não apenas enquanto mecanismo de antecipação de consumo, mas também como instrumento de estabilidade financeira e económica dos particulares e das empresas”, defende a Associação de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC) que apresentou esta quarta-feira, na universidade NovaSBE, o estudo sobre o impacto do crédito ao consumo na economia portuguesa.
Os resultados apontam para uma “relação significativa” entre o aumento da concessão de crédito pelas instituições associadas da ASFAC e o crescimento do Produto
Interno Bruto português (PIB), tanto no curto como no médio prazo.
Numa análise econométrica, a associação que tem Duarte Gomes Pereira como Secretário-Geral estima concretamente que um aumento inesperado de 10% na oferta de crédito especializado gera, em média, um aumento de cerca de 0,25% do PIB ao fim de um ano e de 0,6% ao fim de três anos. Isto demonstra a capacidade de crescimento económico inerente ao crédito dos associados da ASFAC.
Comparativamente ao período estudado anteriormente, que terminava em 2018, o impacto é ligeiramente menor, diz a ASFAC, o que pode ser explicado pela emergência de outros fatores exógenos que tiveram um papel mais destacado nas dinâmicas recentes da atividade económica, nos quais estão incluídos os ligados à crise da Covid-19.
Durante a crise Covid-19 e na recuperação pós-pandemia (2020-2023), a produção de crédito ASFAC contribuiu positivamente para o crescimento do PIB (1 pp em
média por trimestre) e do emprego (0,75 pp em média por trimestre).
“Ainda assim, é de destacar que, apesar destes choques significativos no período mais recente, ainda assim se conseguem identificar impactos significativos da produção do crédito especializado dos associados ASFAC no PIB em termos estatísticos e económicos”, refere a associação.
A ASFAC explica que esta dinâmica não se restringe apenas ao PIB agregado. A análise desagregada por componentes revela que os efeitos do crédito especializado incidem sobretudo sobre o consumo de bens duráveis e o investimento, áreas diretamente ligadas ao financiamento de bens como automóveis, equipamentos domésticos e outros ativos de maior valor unitário.
“Estima-se que um aumento de 10% na oferta de crédito especializado provoque, ao fim de três anos, um crescimento de 5% quer no consumo de bens duráveis, quer no investimento, sublinhando o contributo direto do crédito ao consumo para a robustez da procura interna”, afirma a ASFAC.
Uma novidade incluída neste estudo é o impacto de fatores externos, tendo em consideração o contexto recente da inversão da política monetária do BCE. Assim o estudo revela que a subida dos juros impacta negativamente a concessão de crédito ASFAC. Uma subida de um ponto percentual na taxa de juro de referência da Área Euro poderá levar à queda de 10% deste crédito após 3 anos. A subida dos juros leva a uma queda imediata do spread, diminuindo a rentabilidade dos créditos ao consumo após um choque de política monetária.
Finalmente, uma subida no nível de preços implica bens mais caros, o que induz um aumento no crédito ASFAC. Esta análise demonstra o comportamento do crédito especializado aos choques recentes no ambiente económico, assim como o crédito se demonstra resiliente para suportar não só os choques na taxa de juro, mas também durante os anos em que a rentabilidade cai devido ao atraso no ajuste do spread.
Para além destes efeitos, a decomposição histórica do impacto do crédito especializado no PIB português “oferece uma perspectiva complementar e igualmente reveladora”, diz a associação de crédito especializado. Durante os períodos de contração, como nos anos pandémicos de 2020 e de 2021, a queda do PIB foi mitigada pelo contributo do crédito especializado. Já em anos de expansão, o crédito ASFAC tem um contributo próximo de zero, “o que demonstra a importância do crédito especializado para atenuar choques negativos na economia”.
A ASFAC diz ainda que “o crédito especializado tem um papel bastante positivo no contributo para a criação de emprego no país”. Os resultados do estudo mostram um efeito positivo do crédito especializado na criação de emprego, “reforçando o seu papel como instrumento de coesão socioeconómica”.
As estimativas demonstram mesmo que um choque de 10% no crédito ASFAC leva à criação de cerca de 35.840 novos empregos, o que corresponde a um aumento aproximado de 0,7%.
Por outro lado, o crédito ASFAC parece ter sido beneficiado pelo crescimento do PIB e pela própria inflação, “notando-se a inversão do efeito do spread a partir do período de aumento dos juros por parte do BCE”. O spread “corresponde na sua maioria a choques de política monetária como consequência das variações no nível de preços e da política contracionária do BCE que procura trazer a inflação de volta para a meta de inflação de 2%”, acrescenta a ASFAC.
O estudo, que já vai na sua 2ª edição, analisa a perspectiva científica e os impactos dos efeitos externos na economia e no consumo e influência no crédito, assim como do crédito ao consumo nos restantes fatores.
A apresentação das conclusões do estudo da ASFAC ficou a cargo de Pedro Brinca, professor da Nova SBE, e co-autor do Estudo, e de João Duarte, também professor nesta universidade.
Análise mais descritiva do crédito ao consumo
O crédito ao consumo representa hoje, em valor concedido, aproximadamente 23% do total de empréstimos concedidos a famílias, uma proporção que tem vindo a aumentar desde 2018, apesar das disrupções observadas entre 2020 e 2023, revela o estudo.
Este crescimento deve-se também à retoma da confiança económica dos consumidores, após as oscilações durante o período pandémico, defende a ASFAC. Foi no período pré-pandémico e no último ano que o crédito ao consumo cresceu significativamente mais do que o total de crédito concedido.
“Apesar de um abrandamento entre 2020 e 2023, a trajetória de crescimento foi sustentada, marcada por uma evolução sempre positiva, mesmo considerando as pressões sobre o rendimento disponível das famílias e o aumento gradual dos custos de financiamento”, revela a associação.
“Importa sublinhar que cerca de 80% do crédito ao consumo em Portugal continua a concentrar-se em duas modalidades principais: o crédito pessoal e o crédito automóvel, o que demonstra uma certa estabilidade na composição do portfólio de produtos oferecidos e uma forte adequação às necessidades típicas dos agregados familiares”, detalha a ASFAC.
As novas operações de crédito, em termos absolutos, registaram uma recuperação significativa a partir de 2022, sendo que em 2024 ultrapassaram os 8 mil milhões de euros anuais em montantes concedidos – o máximo desde, pelo menos, 2010.
“A importância das instituições de crédito especializado é clara. Desde 2015, mais de metade dos novos contratos de crédito ao consumo são concedidos por instituições com atividade especializada. Esta transição tem vindo a consolidar-se com base num histórico de crescimento expressivo entre 2015 e 2018”, sublinha a ASFAC.
No que respeita ao custo do crédito, as Taxas Anuais de Encargos Efetivas Globais (TAEG) máximas e médias mantiveram-se estáveis durante o período
pandémico, sem variações significativas entre 2020 e 2021, apesar da elevada incerteza macroeconómica, realça o estudo. Foi apenas a partir de 2022 que se observou um aumento, ainda que moderado, das TAEG médias no crédito ao consumo, em contraste com o crédito à habitação, onde a subida foi muito mais pronunciada e começou um ano antes. “Este fenómeno demonstra a limitação da possibilidade da transferência direta dos custos de financiamento para o consumidor, e evidencia a robustez das instituições de crédito especializado ao longo destes períodos de desajustamento”, conclui a ASFAC.
Do ponto de vista da qualidade do crédito, verifica-se “uma melhoria progressiva” dos indicadores de risco.
A percentagem de devedores com crédito vencido “tem vindo a diminuir de forma consistente desde o pico observado durante a pandemia, tanto no crédito habitação como no crédito ao consumo”, sublinha o estudo.
Esta tendência é acompanhada por uma redução do rácio de crédito vencido, “que pode refletir um comportamento prudente por parte dos mutuários e uma gestão eficaz do risco por parte das instituições financeiras”, acrescenta.
Ora, estes dados sustentam a tese de que a recuperação económica recente tem sido acompanhada por uma maior disciplina financeira das famílias, apesar do aumento geral dos níveis de endividamento. Pois desde 2018, a dívida total das famílias portuguesas tem vindo a aumentar em termos absolutos, atingindo novos máximos históricos em 2024.
No entanto, diz a ASFAC, esta subida tem sido compensada em parte pelo aumento do rendimento disponível, o que permitiu, até 2021, uma redução do rácio dívida sobre rendimento. A partir desse ponto, esse rácio tem vindo a estabilizar, situando-se ainda acima dos 100%, evidenciando um nível de endividamento estruturalmente elevado, mas relativamente sustentável à luz do contexto europeu.
O estudo refere ainda que Portugal mantém a tendência que já demonstrava em 2018 de aproximação progressiva à média da União Europeia no que respeita à dívida total das famílias em percentagem do rendimento disponível. Está agora em linha com países como Espanha e significativamente abaixo de outros como Finlândia ou Luxemburgo.
“Importa ainda destacar o papel do crédito verde como uma tendência de crescimento no mercado de crédito ao consumo”, salienta a ASFAC.
Foi partilhado um inquérito entre os associados da ASFAC questionando sobre a atual produção de crédito verde para particulares e respetivas previsões para o ano de 2025.
“Embora este tipo de crédito ainda represente uma fração reduzida do total de crédito concedido aos consumidores, em grande parte por inexistência de critérios objetivos do que se considera ‘crédito verde’, uma dificuldade que é sentida em toda a União Europeia”, a verdade é que o crédito verde “apresenta taxas de crescimento significativas, com uma previsão de aumento do peso do crédito verde para particulares para perto de 15% em 2025”.
“Estima-se que cerca de 11% do crédito automóvel concedido a particulares seja hoje canalizado para veículos elétricos ou híbridos, e aproximadamente 87% das instituições associadas à ASFAC já integrem veículos verdes nas suas frotas”, diz a associação.
Este movimento está em linha com os compromissos ambientais europeus e com a crescente conscientização dos consumidores relativamente à sustentabilidade, acrescenta.
“É de mencionar que os inquéritos se concentram no crédito a particulares, excluindo o crédito concedido a empresas, que são as maiores consumidoras deste tipo de crédito”, explica a ASFAC que diz ainda que “além disso, são os agentes que demonstram maior capacidade e disposição para tomar o risco do investimento acrescido associado a produtos verdes, quando comparados com os outros produtos disponíveis”.
Concluindo…
Em suma, a ASFAC diz que “fica reforçada a relevância económica do crédito especializado em Portugal, não apenas como instrumento de gestão financeira para as famílias e empresas, mas como verdadeiro mecanismo que alavanca o crescimento económico, geração de emprego e estabilização da atividade produtiva”.
“Olhando para a história recente, a sua influência positiva evidencia-se principalmente nos momentos de contração sofridos durante os anos de pandemia, revelando-se um estabilizador da economia portuguesa”, acrescenta a associação.
Na opinião da ASFAC, a relação estreita entre o crédito especializado e os principais agregados macroeconómicos — nomeadamente o PIB, o investimento e o emprego — “constitui um argumento para que este segmento continue a merecer um acompanhamento rigoroso, mas também um reconhecimento renovado no debate económico e político”.
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