Após ter demonstrado uma elogiada resiliência durante a pandemia, o mercado imobiliário enfrenta agora o aumento dos custos de construção. Como se chegou aqui e que impactos se podem esperar para o futuro?
Nos últimos 15 anos, o mercado imobiliário em Portugal enfrentou diversos desafios: desde o subprime, passando pela crise da dívida pública e consequente intervenção da troika, culminando na pandemia da Covid-19 (à qual até tem resistido com algum sucesso). Em 2021, em período de recuperação do ciclo económico, surge o aumento exponencial dos preços dos materiais a nível mundial, com os primeiros efeitos adversos a sentirem-se.

Desde o final do ano passado que o preço do aço laminado no mercado mundial tem vindo a ter aumentos na ordem dos 200%, enquanto o preço de outros materiais, como o cobre, atingiu os valores mais altos da última década, com aumentos de cerca de 30%. O aumento generalizado dos preços tem várias explicações, mas é unânime que é considerado um efeito secundário da pandemia: perante a perspetiva de uma diminuição global da procura, as siderurgias e os produtores de matérias-primas diminuíram a produção. A indústria automóvel teima em arrancar em pleno e, consequentemente, não existe a motivação para o aumento da produção de aço, existindo ainda o efeito das restrições da China às emissões de carbono que levaram à diminuição da produção de diversas indústrias.

Porém, surgiram novos focos de procura: além do investimento em bens consumíveis e em obras de remodelação-requalificação, surgem ainda os pacotes de incentivos atribuídos pelos estados para recuperar a economia, contrariando o efeito inicialmente esperado pelas indústrias, fazendo disparar a procura e influenciando diretamente o preço.

Em Portugal, assiste-se ainda a outro fenómeno associado à falta de mão-de-obra no setor da construção (principalmente qualificada). No início de 2021, foi identificado que o sector precisaria de, pelo menos, mais 80 mil trabalhadores para fazer face às necessidades, com consequências no custo de construção e sendo este um dos maiores constrangimentos para o crescimento do sector.

A verdade é que independentemente da sua origem, o aumento repentino dos preços tem criado diversas dificuldades no sector imobiliário. Para projetos em curso, o aumento dos preços da construção podem estar a repercutir-se diretamente nos preços da habitação e escritórios. Para novos projetos, alguns promotores preferiram adiar a sua decisão de investimento, esperando por uma descida e estabilização dos preços do mercado mundial, originando menor oferta de produto e, por consequência, um aumento dos preços dos imóveis. Os próprios avaliadores imobiliários têm dificuldade em definir as suas estimativas perante estas incertezas, influenciando a decisão das instituições financeiras em conceder financiamento bancário pelo aumento do risco de crédito.

E qual é a perspetiva? Relativamente aos preços das matérias-primas, defende-se que a prazo irão estabilizar (há quem considere que será apenas em meados de 2022, sujeitos à performance da indústria automóvel e há quem antecipe que poderão começar já a cair durante o segundo semestre de 2021). Em relação à ausência de mão-de-obra, o problema apresenta-se mais estrutural: terão que existir estímulos para o regresso de trabalhadores da construção civil emigrados e uma forte aposta na formação e requalificação de trabalhadores de outras indústrias.

Adicionalmente, com a aproximação de várias oportunidades de projetos de construção impulsionadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência, teme-se que a procura para os tradicionais projetos imobiliários não seja correspondida e que a que seja, venha a ser a preços muito elevados, sendo certo que o mercado imobiliário terá que demonstrar mais uma vez o seu espírito de resiliência perante mais este desafio.