Costumo dizer que nas eleições autárquicas não se faz política, faz-se politiquice. Neste clima de pré-campanha em que nos encontramos, aquecem as negociações sobre candidatos e listas, coligações e acordos coligatórios, programas eleitorais e bandeiras, a habitual parafernália que antecede este ato eleitoral. As autárquicas serão, talvez, a eleição que mais poderia ajudar a concretizar uma discussão séria sobre os temas que afetam diretamente a vida dos cidadãos, mas a realidade mostra-nos que não têm passado de uma oportunidade falhada e perdida para que tal aconteça.

Salvaguardadas as devidas exceções, em muitas das câmaras do país o poder não transita de mãos há décadas, impossibilitando reais mudanças e perpetuando o mesmo projeto político (e, na maior parte das vezes, famílias políticas).

Os poucos candidatos, novos partidos ou movimentos independentes dispostos a contribuir com novas ideias e iniciativas veem-se engolidos por um sistema que se arrasta desde o 25 de Abril. Quer isto dizer que todo o trabalho realizado a nível municipal é mau? Não. Mas tem faltado uma cultura de maior exigência, a par do assinalável desinteresse do eleitorado, cuja abstenção tem sido elevada neste ato eleitoral.

A cultura do cacique que se instalou em muitos concelhos ainda domina, com candidatos pelo país fora a ser insultados e achincalhados pelo partido que está no poder, impossibilitando uma campanha limpa e informada.

Podemos negar a péssima reputação que tem rodeado atualmente o poder autárquico? Histórias de corrupção, nepotismo, tráfico de influências são mais frequentes do que desejaríamos. São histórias de um velho Portugal que representa cada vez menos as novas gerações com vozes plurais e informadas. Algumas alterações legislativas já permitiram a limitação de mandatos, mas isso não basta. Com a transferência de novos poderes da administração central para os municípios, a responsabilidade é cada vez maior. Precisamos de novas visões e competência para cumprir essas responsabilidades, e assim aproximarmo-nos cada vez mais do sonho de uma verdadeira regionalização.

Até quando vamos continuar a delegar a nossa confiança em pessoas que saltitam de partido em partido como tentativa de alcançar poder a todo o custo? Alguém acredita que existe algum projeto político para os munícipes por parte de um partido como o Chega que não alcançar o poder? A nova direita entra no xadrez das alianças locais, trazendo com ela as figuras mais sinistras, populistas e arrivistas da esfera portuguesa. E como se isso não bastasse, há partidos veteranos, como o PSD, a tentar competir diretamente com essa nova direita, promovendo em igual medida a sua dose de figuras aziagas.

O debate em torno de questões como a Saúde, a Economia e a Cultura continua a ser feito ao nível mais superficial, num embate entre direita e esquerda, que retira qualquer nuance e complexidade aos assuntos em causa. Assim não vamos lá. Ora, a realidade económica e social pós-pandémica está prestes a bater-nos à porta. Queremos mesmo que seja a politiquice a dominar neste momento tão crucial?