O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer – Albert Einstein
(No meio do caos que grassa no mundo, a Selecção apurou-se para o Mundial e Will Smith, inadvertidamente e da pior forma, relançou a discussão sobre os limites do humor quando a ênfase deveria estar nos limites da lei. Um terá eventualmente ultrapassado o bom-gosto, o outro violou a lei. Ponto final. Contudo, nenhum destes dois tópicos mudará a vida de um único cidadão e, volvidos o entusiasmo inicial sobre o apuramento e a estupefacção sobre o segundo evento, o mundo continua a rolar.
Enquanto a guerra na Ucrânia continua a fazer inúmeras vítimas e os Estados Unidos da América e a Europa ocidental se debatem com a sua total impotência, a face mais visível da brutalidade são as mulheres e, principalmente, as crianças, cuja história de separação das respectivas famílias marcará, pelo menos, duas gerações. Perante este êxodo de milhões, podemos e devemos ter todas as iniciativas de solidariedade mas elas nunca serão o suficiente para fazer cessar a dor de quem perdeu tudo e parar o que eufemisticamente se designa por conflito. Esta dor, contudo, não pode ser o único foco da nossa atenção, porque há quem aproveite o momento para influir nas nossas vidas.)
Sem grandes surpresas, Augusto Santos Silva tomou posse como Presidente da Assembleia da República, substituindo Ferro Rodrigues. O seu discurso, revelador de uma capacidade oratória acima do seu antecessor, primou pela afirmação de uma cultura de afastamento do ódio, referindo-se expressamente ao (cada vez maior…) elefante na sala. O terceiro partido mais votado, cujas bandeiras vão flutuando à medida do seu oportunismo político, teve honras de Estado no citado discurso, numa concessão de protagonismo que só o fará cavalgar a onda.
De seguida, tomou igualmente posse o Governo, numa amálgama de rostos conhecidos e surpresas, sem que se consiga descortinar uma verdadeira justiça do mérito na atribuição de certas pastas relevantes, como a do Ministério das Finanças.
A maior desventura de Ventura, parece-me, será alguém ser capaz de desmontar a vacuidade do seu programa e das suas ideias sem o tornar protagonista de uma história que nunca deveria integrar. Mais do que perceber o seu êxito, importa olhar para o que leva pessoas de bem recusarem os partidos ditos tradicionais. E a resposta, parece-me, está dentro dos ditos partidos, nos casos de corrupção e na sua incapacidade para albergarem interesses que não exclusivamente os seus.
O combate aos movimentos extremistas tem que se fazer, pelo menos num primeiro momento, pela positiva. Dizer apenas que não se cede já não chega. É preciso mostrar não apenas que o caminho não é aquele como qual é o trilho certo. Ter uma ideia concreta, implementar as medidas e seguir esse rumo, corrigindo-o quando se revelar ineficaz. Ter os melhores – e não apenas os que são da respectiva cor – unidos no desígnio maior que é conseguir face às inúmeras dificuldades pelas quais passaremos, em vez de as varrer para debaixo de um tapete, fingindo que nada de errado está a acontecer.
Enquanto somos compelidos a ver sucessivas imagens da guerra, parecendo que nada se passa neste país ou nos demais, o que não nos dizem é que a crise está aí, seja com o aumento dos combustíveis e seus reflexos nos demais bens de primeira necessidade, seja com o já prometido aumento das taxas de juro.
Aos refugiados ucranianos, seguir-se-ão os mais recentes pobres (a acumular aos que já o eram e aos que assim se tornaram com a crise pandémica) portugueses. É essencialmente para estes que, tanto a Assembleia da República quanto o Governo devem, mais do que olhar, agir porque a fome não grassa apenas na Ucrânia mas pode piorar com a situação desta.
E devem começar a fazê-lo já porque, no final do dia, os discursos optimistas não enchem pratos e não pagam contas da luz.
O trabalho de vigiar activamente (todos) os políticos, principalmente os que estão no poder, e de lhes exigir o cumprimento das suas promessas é uma tarefa que também incumbe a cada um de nós. O que se espera de um Governo com maioria absoluta na Assembleia da República é uma postura activa. O que se espera de cada cidadão é não aceitar menos do que isso porque nada fazer é, neste momento, ser cúmplice do mal e o mal, como é consabido, esconde-se sob as mais diversas formas.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.