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Azul preparada para ir à justiça recuperar dívida da TAP SGPS

A companhia aérea brasileira fundada por David Neeleman exige o pagamento antecipado do empréstimo de 90 milhões de euros, mais 88 milhões em juros. A TAP SA e TAP SGPS já avançaram para tribunal para tentar travar o pagamento antecipado num momento em que a Azul enfrenta uma reestruturação depois de ter pedido proteção contra credores.
Rafael Marchante/Reuters
7 Julho 2025, 07h00

A companhia aérea brasileira Azul está preparada para avançar para a justiça para recuperar a dívida da TAP SGPS, depois de esta falhar o pagamento na data limite. São 178 milhões de euros de dívida reclamada: os 90 milhões iniciais, com o resto a serem juros.
O empréstimo termina em março de 2026, mas a assembleia geral de credores (controlada pela Azul) decidiu este ano antecipar o pagamento do empréstimo.
A Azul, que encontra-se em processo de reestruturação depois de ter pedido a proteção contra credores, já disse querer que a dívida seja incluída na privatização da TAP, se não for paga até lá.
A ex-TAP SGPS, agora com o nome de Siavilo SGPS, era a holding que detinha a TAP SA, a companhia aérea. Na reestruturação, a TAP SA saiu da TAP SGPS e a companhia aérea passou a ser controlada diretamente pelo Estado português.
“A TAP SGPS já foi notificada pelo agente pagador do contrato de emissão de títulos (Banco Montepio Geral) para efetuar, durante o mês de junho de 2025, o pagamento dos valores devidos à Azul Linhas Aéreas Brasileiras S.A. (90 milhões de euros mais os respectivos juros)”, disse fonte oficial da Azul ao JE.
“Caso a TAP não realize o pagamento, conforme previsto nos contratos e na legislação portuguesa, o agente fiduciário e Representante Comum dos Detentores dos Títulos deverá tomar medidas judiciais contra a TAP para cobrar os valores em aberto”, acrescentou a companhia aérea, em reposta às questões colocadas pelo JE.
O JE pediu uma reação ao Ministério das Finanças, mas não recebeu resposta até ao fecho da edição.
Foi em 2016 que teve lugar este empréstimo via emissão de títulos (bond agreement), com a TAP SGPS a emitir e a Azul SA a comprar, no valor de 90 milhões de euros.
Este empréstimo conta com um acordo de garantias (security agreement) a favor da Azul, “garantias essas que deveriam ter sido formalizadas pela TAP SA. No entanto, a TAP tem descumprido esse acordo de forma recorrente, não registrando as garantias nem fornecendo à Azul as informações exigidas contratualmente”.
A companhia fundada por David Neeleman, onde ocupa o cargo de presidente do conselho de administração, recorda que a TAP SGPS e a TAP entraram com uma “ação declaratória” contra a a Azul SA e a Azul Linhas Áreas Brasileiras SA na Justiça da Comarca de Lisboa a 13 de novembro de 2024. O objetivo é que estas garantias não sejam reconhecidas, para a Azul não as poder executar em caso de incumprimento, evitando o reembolso antecipado do empréstimo.
Recorde-se que David Neeleman foi acionista da TAP até 2020, altura em que vendeu a sua participação por 55 milhões de euros, no âmbito da nacionalização da companhia aérea devido à Covid-19.
A Azul recorda que a 15 de abril de 2025, a assembleia-geral dos detentores dos títulos “reconheceu a ocorrência de Eventos de Inadimplência (Events of Default), conforme previsto nos Documentos Financeiros, sendo tais eventos atribuídos à TAP SGPS e à TAP S.A.”.
Os credores são a Azul (com 75% dos votos) e a Parpública (com 25%). A primeira votou a favor do pagamento da dívida, enquanto a segunda votou contra.
“A mesma Assembleia deliberou que os títulos passaram a ser imediatamente exigíveis e reembolsáveis, conforme a Cláusula 11 dos Termos e Condições dos Títulos. Essa cláusula determina que a ocorrência de qualquer Evento de Inadimplência torna a dívida imediatamente vencida, devendo ser paga integralmente, com os juros acumulados”, de acordo com a Azul.
Desta AG, também saiu a autorização para o “Representante Comum dos Detentores dos Títulos” tomar as “medidas necessárias para garantir o cumprimento dos Documentos Financeiros, e determinou que qualquer Detentor Majoritário pode agir diretamente contra a Emitente (TAP SGPS) ou qualquer outra parte dos Documentos Financeiros para exigir o cumprimento de qualquer disposição, caso o Representante Comum, mesmo estando obrigado e autorizado a agir, não o faça em tempo razoável e a omissão persista”.
Além dos 90 milhões de euros da Azul, juntam-se outros 30 milhões que foram emprestados pela Parpública.
A Siavilo é neste momento uma espécie de ‘TAP má’, contendo o reembolso destas obrigações, mas também a liquidação da eterna deficitária Manutenção & Engenharia do Brasil (antiga VEM), que perdeu 600 milhões de euros em 13 anos e foi fechada em 2022. Conta com capitais próprios negativos superiores a 1,3 mil milhões de euros.
Em maio, a Azul disse que iria “discutir diretamente com a TAP e o Governo português”, a questão das obrigações, segundo o administrador financeiro Alex Malfitani, numa chamada com analistas.
Com um empréstimo inicial de 120 milhões de euros, a dívida total já atinge os 235 milhões de euros, com os juros a superarem os 100 milhões de euros: 178 milhões para a Azul e 59 milhões para a Parpública.
A companhia chegou a acordo com a United Airlines e a American Airlines, assim como com a locadora de Aeronaves AerCap, esperando ter o plano de reestruturação aprovado ainda este ano ou até ao início de 2026, garantindo que mantém os planos de expansão para Portugal.

“Portugal é estratégico para a Azul. As novas rotas entre o Porto e Recife, [que arrancaram esta semana] praticamente duplicam a nossa presença no país. E a operação para Lisboa segue consolidada”, disse o vice-presidente Fábio Campos à “Lusa” no início de junho, não rejeitando expandir-se em Portugal no futuro.

O plano de reestruturação inclui 1,6 mil milhões de dólares em financiamento e o corte de mais de dois mil milhões de dólares de dívidas.

A Azul opera mil voos diários para mais de 160 destinos.

Sobre o diferendo em relação à dívida, o responsável disse na altura. “Confiamos nos contratos assinados e na justiça portuguesa. Acreditamos que esta dívida terá de ser equacionada antes de qualquer avanço na privatização”.

Em junho, o PCP endereçou uma pergunta ao ministro das Infraestruturas sobre este tema, para saber o que fez o Governo para contestar a dívida: “O empréstimo obrigacionista foi de 90 milhões de euros, aos quais foram aplicados juros de usura (que mais que duplicaram a dívida em 10 anos). Quem exigiu os juros de usura? A Azul de David Neeleman. Quem aceitou os juros de usura? A TAP de David Neeleman. Quem vai pagar? O povo português?”.

E continua: “Mas este empréstimo usurário era um empréstimo obrigacionista convertível em ações. Num momento em que, devido à pandemia e à gestão de David Neeleman, as ações da TAP valiam zero, o que fez o Estado português? Aceitou que o empréstimo deixasse de ser convertível. A lógica é sempre a mesma – os “arrojados investidores” arriscam: se ganharem ficam muito mais ricos; se perderem, ficam mais ricos na mesma e o povo português é chamado a pagar os prejuízos”.

O PCP também diz que David Neeleman também “arrastou [a Azul] para uma insolvência, necessitando com urgência de dinheiro, antecipou a exigência do pagamento da “dívida”, também porque teme que a razão pela qual o anterior Governo PSD-CDS mudou o nome da TAP SGPS para a Siavilo e a esvaziou de património era porque se preparava para fazer desaparecer a dívida numa insolvência”.

Para concluir, o PCP diz perceber que o Governo PSD/CDS não queira ver esclarecida toda a verdade da vergonhosa privatização de 2015. Isso poderia prejudicar o seu plano de ser intermediário na oferta da TAP às multinacionais, em novo processo de privatização. Mais o país não pode aceitar essa impunidade em mais este escândalo”.

 

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