Os 40 anos da B. Braun em Portugal, multinacional alemã de dispositivos médicos criada em 1839, foram o mote para uma conversa com o novo diretor-geral da empresa em terras lusas, Rodrigo Barroso. O ano memorável que 2024 representou para o negócio; as altas expectativas para este ano, apesar das incertezas causadas pela política de Donald Trump; mas também a forte ligação ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) e os desafios inerentes ao endividamento; o reforço do negócio no setor privado; a ambição de ampliar a rede de clínicas hemodiálise no país e a mais recente aposta tecnológica que promete “ajudar muitos hospitais a libertar camas e reduzir os custos de internamento” foram alguns dos temas abordados.
O último ano foi ‘dourado’ para as empresas de saúde em Portugal, assim o demonstram os dados das exportações, alcançando-se pela primeira vez os 4 mil milhões de euros em vendas fora do país. Para a B. Braun, 2024 foi também próspero?
Sem dúvida. O ano de 2024 foi e será um ano memorável para a B. Braun em Portugal. Tivemos o nosso maior volume de vendas, mais de 87 milhões, desde a fundação da empresa em terras portuguesas. Penso que isso demonstra a capacidade que a nossa empresa tem de acompanhar o dinamismo do setor da saúde no país, beneficiando-se do aumento da atividade hospitalar tanto nos hospitais públicos como nos privados, além de confirmar a força do nosso portfólio alargado de produtos, serviços e tecnologias transversais a várias áreas e intervenientes.
Uma pesquisa no portal Base indica que a B. Braun já celebrou perto de 500 (488) contratos com entidades públicas em Portugal. Qual o peso do SNS no volume de negócios da B. Braun em Portugal? Como define a relação com o SNS?
O Serviço Nacional de Saúde é muito importante para a B. Braun, pois representa quase 60% do nosso volume de negócios em Portugal. A B. Braun tem uma longa história de colaboração com o SNS, com histórico de soluções personalizadas que contribuem para a melhoria contínua dos cuidados de saúde pública no país. Um exemplo que demonstra o impacto do SNS na nossa operação é a estrutura interna, seja a nível de colaboradores, seja a nível de sistemas dedicados aos processos de contratação pública. Só com estes recursos conseguimos identificar e responder aos concursos do SNS com agilidade, cumprindo com todos os prazos e requisitos. Além disso, possuímos várias certificações que preenchem os padrões de qualidade e qualificação exigidos.
Contribuímos ainda ativamente na partilha de conhecimento e acompanhamento aos profissionais de saúde do SNS, mantendo assim uma relação de proximidade e de parceria, sempre com o objetivo de encontrar as melhores soluções que respondam às necessidades das instituições e dos utentes em Portugal.
O endividamento do SNS tem sido um problema?
De alguma maneira, sim, não podemos negar que isso gera alguns desafios na nossa gestão e impacta a nossa operação. Um dos aspetos são os longos prazos de pagamento das entidades públicas, o que acaba por gerar um desafio de tesouraria que se reflete no nosso working capital. Um exemplo é o pagamento do IVA ao Estado em 45 dias de tudo o que é faturado ao SNS, mas essa faturação só é paga pela entidade vários meses depois, aumentando os custos financeiros necessários para garantir a operação.
Outro aspeto que posso mencionar diz respeito aos potenciais constrangimentos de recursos para investir em novas tecnologias, soluções e projetos, implicando um ajuste de preços nos materiais e serviços.
O setor privado da saúde tem crescido em Portugal, representando já 54% da oferta hospitalar, numa altura em que mais de 4 milhões têm seguro de saúde. A B. Braun tem acompanhado esta tendência de crescimento?
Sim, a B. Braun tem acompanhado de perto o crescimento do setor privado da saúde em Portugal. Temos reforçado a nossa presença neste segmento, oferecendo igualmente soluções e serviços adaptados às necessidades específicas de nossos clientes privados. Temos orgulho de trabalhar ativamente com os principais grupos em Portugal, tanto no segmento hospitalar como no ambulatório.
Como é que tem sido a relação com as unidades privadas de saúde?
Penso que tem sido uma relação de colaboração recíproca, muito importante para ampliação da oferta de serviços em Portugal. De destacar que uma das características mais relevantes da B. Braun é o seu amplo portfólio de produtos que cobre mais de 15 áreas terapêuticas fundamentais para hospitais e clínicas.
O principal desafio das unidades de saúde privadas é a constante procura por inovação, segurança e sustentabilidade. Acreditamos que a experiência e o portfólio fazem da B. Braun um parceiro estratégico e diferenciado, que ajuda os clientes a encontrar soluções integradas e otimizando o processo de negociação e compra, como podemos comprovar pelas nossas fortes relações comerciais com os principais players do setor privado – Hospital da Luz, CUF, HPA, entre muitos outros.
Neste sentido, a nossa relação com estes clientes privados, a exemplo do que também fazemos no setor público, são nossos investimentos na disseminação do conhecimento científico. Uma entidade acreditada e vocacionada à formação especializada, direcionada a profissionais de saúde, gestão hospitalar e doentes. Com grande foco em cursos hands-on, que permitem um conhecimento prático mais avançado. No fim do dia, trata-se de ir além do fornecimento de produtos: trata-se realmente de estabelecer relações duradouras de confiança e colaboração.
A B. Braun celebra 40 anos em Portugal. Quais as grandes ambições da empresa em solo luso?
A B. Braun é uma empresa de origem alemã com mais de 185 anos de história. Celebrar 40 anos em Portugal é um marco significativo para o nosso grupo, refletindo décadas de compromisso com a saúde e bem-estar da população portuguesa.
As ambições em Portugal continuam as mais altas. Eu destacaria continuar com a nossa missão de proteger e melhorar a saúde de todas as pessoas em Portugal; garantir cada vez mais que a nossa marca continue forte e associada à confiança, qualidade e segurança em tudo que fornecemos, prestamos e fazemos; e continuar a participar na revolução digital da saúde em Portugal, contribuindo com inovação e tecnologia para a melhoria dos processos dos nossos clientes.
Além disto, planeamos continuar a apostar na formação dos profissionais de saúde, dos doentes e suas famílias e na literacia em saúde e continuar focados no desenvolvimento de uma empresa melhor a cada dia para dar resposta aos nossos clientes, fornecedores e colaboradores.
Dadas as condições, queremos também continuar a ampliar nossa rede de clínicas de hemodiálise e serviços complementares de transição de cuidados entre o hospital e a casa dos doentes nas áreas onde contamos com uma vasta experiência e produtos diferenciadores.
A empresa em Portugal emprega mais de 500 pessoas. É uma dimensão que se manterá ou deverá crescer?
Considerando as ambições que acabei de mencionar, é natural que este número de colaboradores cresça. E assim queremos. É natural que cresça, porque quanto mais aumentar a nossa prestação de serviços de saúde, por exemplo: clínicas, cuidados ao domicílio…, na mesma proporção terá que crescer a nossa equipa de profissionais.
Em que áreas e/ou produtos a B. Braun se distingue mais pela inovação?
A inovação está no ADN da B. Braun e é um dos nossos principais diferenciais em Portugal e no mundo. A B. Braun distingue-se na área de cirurgia minimamente invasiva, onde os nossos dispositivos garantem uma total segurança, conforto e alta resolução de imagem para os cirurgiões; nas terapias de infusão, onde estamos na vanguarda da conectividade digital que permite rastreamento, gestão remota e integração com sistemas hospitalares; e na área da oncologia, onde conseguimos integrar todo o processo desde a preparação das soluções até à sua administração nos doentes, permitindo assim eliminar a maioria dos erros.
Além destes, destacamo-nos no pathway cirúrgico – do pré ao pós-operatório – incluindo serviços de transição de cuidados que permitem antecipar com segurança a alta dos doentes, proporcionando a libertação de camas nos hospitais, redução de custos de internamento e continuação de tratamentos no ambiente domiciliário.
Na área do tratamento renal, crónico e agudo, temos soluções avançadas em máquinas de hemodiálise, sistemas de tratamento de água e sistemas de gestão de dados dedicados à informação de todo o processo de tratamento.
Por fim, destacamo-nos na área de controlo e prevenções de infeções hospitalares — além dos desinfetantes de mão, pele e superfícies, possuímos sistemas digitais integrados em dispensadores destes desinfetantes, permitindo o rastreamento de utilização e aplicação pelos profissionais de saúde.
Quais são as perspectivas de negócio para este ano?
As perspectivas são as melhores para 2025. Estamos a consolidar a nossa posição como parceiro estratégico, tanto no setor público como no privado, e a investir em áreas-chave que consideramos fundamentais para o crescimento sustentável da empresa.
Temos a ambição de crescer 7% face ao ano anterior e isso será feito através do crescimento das nossas principais áreas de negócio, através de projetos estratégicos em que temos investido nos últimos anos.
Destes novos projetos, destaco o projeto que chamamos “Transcare”, que é um serviço complementar de transição de cuidados entre o hospital e a casa dos doentes que precisam de nutrição parentérica e entérica no domicílio. Este é um projeto de tecnologia em saúde inovador, complexo e que tem potencial para ajudar muitos hospitais com o desafio de libertar camas hospitalares e reduzir custos de internamento.
Além disso, como líderes de mercado em terapias de infusão, queremos continuar o movimento de upgrade e atualização do parque de equipamentos dos nossos clientes. Isso trará maiores possibilidades de melhorias de processo e redução de custos.
De que forma é que a guerra das tarifas está a influenciar o negócio da B. Braun a nível global? Há receios quanto ao impacto que possa vir a ter?
A atual guerra de tarifas e o aumento do protecionismo comercial têm gerado muitas incertezas. O Grupo B. Braun está atento aos potenciais impactos nos nossos negócios, essencialmente no que diz respeito às cadeias de suprimento e aos custos operacionais.
Diversas matérias-primas como aço, alumínio, polímeros e sais são essenciais para a fabricação de dispositivos médicos e produtos farmacêuticos. A imposição de tarifas de retaliação impostas pelos diferentes países pode afetar toda a nossa cadeia de operações internacionais.
A guerra tarifária também muda as cadeias de suprimento de produtos acabados e pode potencializar uma maior entrada de produtos de empresas de outros países, como a China e os Estados Unidos da América, em novos mercados que até então eram pouco explorados por eles, alterando o ecossistema competitivo.
Como disse, no momento, o grupo está a tomar medidas proativas para mitigar esses riscos. Apesar dos desafios impostos, mantemos o nosso compromisso de fornecer produtos e serviços de alta qualidade aos nossos clientes em todo o mundo.
Qual a exposição da empresa ao mercado norte-americano?
O Grupo B. Braun tem negócios significativos no mercado norte-americano. Somos um fornecedor e um empregador muito importante na América. O momento é de avaliar os impactos potenciais que estas tarifas terão sobre produtos acabados e matérias-primas enviados para os Estados Unidos e este efeito sobre o nosso negócio. Continuamos a avaliar estratégias que mitiguem este efeito negativo, ao mesmo tempo que garantam a continuidade do fornecimento dos nossos produtos aos clientes e doentes que servimos.
Pode concretizar ou dar um exemplo de medidas que estão a ser tomadas?
Como disse, o Grupo B. Braun está muito atento ao tema das tarifas e do protecionismo comercial. A nossa área de Global Procurement está a avaliar a diversificação de fornecedores e do reforço da nossa cadeia logística na Europa. Além disso, seguimos o nosso compromisso contínuo em procurar a melhor eficiência nos custos produtivos sem abrir mão da reconhecida qualidade e segurança dos produtos B. Braun.
Como encara a B. Braun o ciclo político que agora se inicia com o arranque da nova legislatura?
Encaramos com muita expectativa o início da nova legislatura. O setor da saúde atravessa desafios importantes, desde o envelhecimento da população, a melhoria no nível de serviço aos utentes, a falta de profissionais de saúde e a própria sustentabilidade financeira do sistema. Estes desafios exigem reformas estruturantes e estabilidade política. Acreditamos que um diálogo construtivo entre o Governo, o setor privado e sociedade é essencial para encontrar soluções equilibradas que possam dar respostas aos principais desafios, mas também que promovam o equilíbrio entre a qualidade do serviço e a estabilidade financeira das empresas que operam no mercado.
Esperamos que a nova legislatura identifique o setor privado como um parceiro estratégico e complementar para aumentar a oferta de serviços do SNS, a rapidez, tendo como foco a inovação. Além manter um canal aberto para o diálogo com as associações e outras entidades de classe com intuito de discutir a melhoria dos processos e do ambiente de negócios em Portugal.
Que aspetos positivos e/ou negativos vê no programa do Governo no capítulo da saúde?
Considero positivo que a saúde continue a ser declarada como uma prioridade no programa de Governo. Alguns pontos são muito relevantes na minha opinião, nomeadamente o foco na modernização contínua do SNS, na transformação digital dos serviços, na valorização dos profissionais de saúde e na parceria com o setor privado como um instrumento estratégico de gestão e eficiência. Repito que estas são medidas fundamentais para melhorar o acesso e garantir a sustentabilidade a médio e longo prazo.
No entanto, aguardamos com atenção mais detalhes sobre a implementação prática desse programa na contratação pública. Temas como os prazos de pagamento e o financiamento adequado são fundamentais para as empresas do setor da saúde poderem continuar a investir em inovação e em soluções de valor agregado ao sistema e aos doentes. Destaco ainda a importância de se encontrar o equilíbrio na política de preços dos dispositivos médicos, medicamentos e serviços de saúde com preços compreensivos.
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