Janeiro de 2017. Um momento histórico para mim, um momento irrisório para o Futebol. Após 20 anos em consultoria estratégica, operações e corporate finance, passando pelo mercado imobiliário (Hilton Vilamoura e Conrad Quinta do Lago), pelo turismo (Quinta do Lago, na equipa Denis O’Brien) e por Angola (Deloitte e Kinaxixi Center), Pedro Proença – que não conhecia e com quem nunca tinha falado – liga-me e desafia-me a regressar a Portugal para liderar a área de marketing da Liga – a grande instituição que deveria, e deverá, organizar e promover o Futebol Profissional nacional.

Após quatro anos, com uma equipa a trabalhar mais de 12 horas por dia, o sentimento é que cada passo nos leva ao mesmo sítio, ao princípio de que o sector se desenvolve e entrega a um terço da sua potencialidade.

Somos os melhores do mundo e não sabemos usar isso para monetizar, criar riqueza e emprego, criar estrutura e programar o futuro. Debatemo-nos diariamente com guerras internas e não gastamos as nossas energias a unirmo-nos e a posicionarmo-nos no mundo. Pergunto-me diversas vezes por que razão este sector é tão deficitário na gestão de recursos humanos, tecnológicos e financeiros?

Quando aqui cheguei, e técnica como sou, fiz uma análise PESTEL do sector e um Plano Estratégico. Primeira dificuldade – informação não havia, ou a que havia nunca foi organizada (a Liga Portugal era uma organização política, não precisava de estatísticas e informações). Segunda dificuldade – e desculpem a expressão, “o que é que esta senhora que nunca viu uma bola, está aqui a fazer?” – houve processos que só passado dois anos foram entendidos, outros que ainda anseio que o sejam.

Hoje, olhando para os documentos, as conclusões são as mesmas e muito pouco mudou no que é preciso estruturalmente modificar e que a Liga Portugal tem vindo a reivindicar, mas é preciso ter cuidado com o que se deseja e provoca, porque há lugares que se podem perder se se estiver do lado errado da equação.

Já vamos analisar o sector, mas olhando para a minha casa durante estes quatro anos, o patrocinador principal representava 35,7% das receitas e hoje representa 27,7%, o que permite que o seu controlo sobre a organização tenha diminuído drasticamente. Isto só é possível se houver diversificação das receitas, mas este conceito é muito difícil de fazer valer onde o poder é da cada um e de nenhum em particular. Onde, para se decidir um canal novo de vendas, uma nova competição, um novo evento que vai beneficiar o todo, as questões são constantemente as mesmas. Quem está? Quem não está? O que recebo individualmente? Acesso aos jogadores e treinadores, porquê?

Assim, as bases do Futebol Profissional não são a criação de riqueza, eficiência e sustentabilidade, mas bases políticas, algo agravado pelo facto de 300 em 800 milhões de euros de rendimento por ano serem transferências e, por isso, 37,5% das atenções dos gestores e demais neste negócio, que gera comissões e envolve muita gente, onde a formação para se fazer contactos é irrelevante.

Convençam-se que a única organização que pode promover o Futebol Profissional de forma organizada, quer a nível nacional quer internacional, é a Liga Portugal, e que isso é absolutamente impossível com o actual sistema e organização interna do sector. Um cliente – onde direitos de audiovisuais e comerciais se confundem propositadamente –tem mais poder que todos os outros e que os próprios players, e enquanto se mantiver esta situação o sector irá perder e nunca ganhar como um todo.

Isto para não falar nos impactos da pandemia de Covid-19 na indústria do futebol, que, na minha opinião, ainda são apenas ténues, por ora. Dentro de um ano, aí sim, já teremos a real dimensão dos danos causados por uma crise profunda num sector descapitalizado financeira e humanamente.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.