No final da década de 2000, com a crise das dívidas soberanas, o sistema financeiro português sofreu dramas que levaram à intervenção quer do Banco Central Europeu, quer do Governo português, como fontes de financiamento relevantes para assegurar a sustentabilidade desse sistema.
Essa intervenção, sem precedente no sistema financeiro nacional, conduziu a uma degradação da imagem das instituições bancárias junto dos portugueses.
Como ainda recentemente afirmou o antigo ministro das Finanças Bagão Félix, os portugueses não esquecem que “durante uma série de anos, na crise financeira, na crise das dívidas soberanas, na crise bancária, os contribuintes portugueses pagaram – ou emprestaram digamos assim –, dinheiro ao sistema bancário para garantir a sua solvabilidade e ser garantia da acalmia perante a crise.”
Felizmente, o sistema financeiro português sobreviveu a essa crise, invertendo rapidamente a tendência negativa, mas, aos dias de hoje, ainda tenta reabilitar a sua imagem junto dos portugueses, que ainda olham para os bancos como os “maus da fita”.
A sensação que permanece é a de uma gestão leviana e, por vezes, debaixo de interesses não completamente claros, com pouca noção de responsabilidade social. Fica, por isso, ainda mais difícil compreender o comportamento dos bancos perante a crise inflacionária que os portugueses estão a sentir.
No último ano, com o agravar da inflação e a consequente subida da Euribor, têm-se sentido profundas dificuldades em cumprir as obrigações bancárias, nomeadamente para fazer face ao aumento brutal das prestações no crédito à habitação.
Por outro lado, a banca portuguesa tem beneficiado com este cenário, acumulando lucros recorde no último ano. Se é verdade que a rentabilidade global dos bancos na zona euro aumentou e, no caso português, que os lucros dos bancos são necessários para equilibrar os prejuízos dos últimos anos, também é verdade que no caso das instituições portuguesas, a margem financeira aumentou 9,5 vezes mais do que a média dos bancos europeus.
Os portugueses não compreendem o aumento exponencial dos lucros dos bancos num momento em que vivem com tamanhas dificuldades. Não que os portugueses no geral tenham alguma aversão ao lucro, contrariamente ao que alguns tentam fazer passar. O que os portugueses não compreendem é que perante tão bons resultados não sintam, da parte da banca, qualquer sinal de auxílio perante as suas dificuldades. Qualquer reciprocidade.
Sendo que tais sinais poderiam vir das mais variadas formas, como por exemplo, na pronta disponibilidade de taxas fixas atrativas, numa maior descida dos spreads, no aumento dos juros nos depósitos a prazo e, por fim, na diminuição e/ou abolição de comissões bancárias que asfixiam muitas vezes os clientes.
Bem sei que algo tem sido feito nesse sentido, mas infelizmente menos do que os portugueses sentem como justo. O que se interpreta, quando comparado o atual cenário com o do passado, é que a banca portuguesa quando necessita é solícita a pedir auxílio aos portugueses, mas lenta a reagir quando o cenário é inverso e são os portugueses que estão em dificuldades.
Ultimamente, ouvem-se vários responsáveis da banca a contrapor essa ideia, explicando – e bem, salvaguarde-se – que os lucros são fundamentais para o setor. Mas será que os portugueses os percebem? Será que a banca não pode dar um sinal mais forte e mesmo assim manter os bons resultados?
Muitas vezes, ao ouvi-los, vem-me à memória uma frase de Churchill, que, certa vez, após uma reunião com um grupo de banqueiros, se queixou de que todos “falavam persa”. Perante este cenário, a pergunta que fica é: pretendem os bancos continuar a ser os “maus da fita”? Ou estarão disponíveis para falar português?