Primeiro a EDP foi à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e ficou estabelecido que as edificações e construções das barragens que ela própria construiu são propriedade sua até ao final do período da concessão e que, depois, se transfeririam para a posse do Estado. A APA assim o consagrou.

De seguida, a EDP foi à APA e informou que as mesmas edificações e construções das barragens são bens do domínio público (por exemplo, como as praias, as estradas e a Torre de Belém) e a APA concluiu no mesmo sentido.

Na terceira vez, a EDP foi à APA e considerou de novo que as mesmas edificações e construções das barragens são, afinal, bens privados e que, por isso, as podia vender. E a mesma APA, sem pestanejar, anuiu. E a venda fez-se.

Primeiro, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) determinou, por despacho da atual diretora-geral, de 20/12/2015, que as edificações e construções das barragens quando são bens privados pagam IMI, como é o caso das barragens do Douro Internacional da EDP.

De seguida, menos de um ano depois, a mesma AT, pela mão da mesma Diretora-Geral, despacha no sentido de que as mesmas barragens são afinal bens do domínio público, pelo que também afinal, não devem pagar o IMI.

Primeiro, uma senhora advogada vai a um tribunal arbitral nessa qualidade, a litigar em nome de uma empresa privada, contra liquidações de impostos efetuadas pela AT.

De seguida, a mesma advogada vai ao mesmo tribunal como juíza (árbitra) e decide processos em que as empresas (representadas por outros advogados, que noutros processos podem também ser juízes) litigam contra a AT. A senhora juíza/árbitra, que é também advogada, decidiu num curto período de tempo cinco processos, todos contra a AT, anulando sempre os impostos apurados.

Essa senhora juíza/árbitra, que é também advogada e decide sempre contra o Estado, recebe, para julgar, um processo em que a EDP impugna uma liquidação do IMI sobre edificações e construções das barragens. Não há explicação para que este processo tenha sido entregue a esta árbitra.

Nesse processo, a EDP defende que as edificações e construções das barragens são bens do domínio público e que, por isso, não estão sujeitas ao IMI. A mesma EDP que, em simultâneo, considera os mesmos bens como propriedade sua e assim os tem inscritos na sua contabilidade.

A senhora juíza/árbitra, que é também advogada e decide sempre contra o Estado, decidiu também este processo a favor da EDP, anulando o imposto e concluindo que a EDP nada deve, porque as edificações e construções das barragens são bens do domínio público.

Nesse processo, a AT, que efetuou o apuramento do IMI sobre as edificações e construções de uma das barragens, não defendeu a manutenção da liquidação do imposto que ela própria havia efetuado e conformou-se com a argumentação da EDP.

Nem a AT nem a senhora juíza/árbitra, que é também advogada e decide sempre contra o Estado, se lembraram de perguntar à EDP se tinha inscrita no seu balanço a titularidade das referidas edificações e construções das barragens. A AT tem acesso livre ao balanço da EDP, mas provavelmente não se lembrou desse facto. A senhora árbitra/juíza/advogada também tem, mas também não se lembrou. A EDP e os seus brilhantes advogados devem ter sorrido da sorte que têm. Sim, porque este jogo dúplice com grande sucesso, perante três instituições do Estado que se deixam assim enganar (a APA, o fisco e um tribunal arbitral), e que são os últimos a saber, não se basta apenas com competência simulatória, é necessário algo mais…

No decurso do processo, a AT muda de opinião. Quando o processo se iniciou, a AT entendia que as edificações e construções das barragens devem pagar o IMI. Quando o processo acabou, já entendia a mesma AT, pela mão da mesma diretora geral, que afinal o que estava correto era exatamente o contrário. Também essas barragens não têm nada que pagar o IMI.

Primeiro, um Movimento Cívico informa o Governo e o Presidente da República de que estas barragens devem pagar IMI, em face da lei atual, e a sua transmissão deve pagar o IMT.

Segundo, num documento entregue ao seu Presidente por estes cidadãos, a AT, a quem compete liquidar esse imposto, abre um processo de inquérito disciplinar contra um desses cidadãos que sendo seu funcionário, teve o atrevimento de alertar para a necessidade de defender o interesse público. O fundamento para a abertura do processo é a violação do dever de exclusividade no… serviço ao interesse público.

Primeiro, o excelentíssimo ministro do Ambiente, acompanhado do não menos excelentíssimo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, declara, em 28/12/2020, no local das barragens, do alto da sua insuspeita, até então, excelência tributária, que estas são bens do domínio público, pelo que não devem pagar o IMI nem o IMT nem qualquer imposto. Mais uma vez, os advogados da EDP devem ter sorrido sobranceiramente.

Ambos os ilustres membros do Governo português reafirmam essas declarações perante o Parlamento.

De seguida, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais declara que afinal podem as referidas edificações e construções das barragens estar sujeitas ao pagamento do IMI e que se calhar há dúvidas, e que a lei deve ser alterada.

É este o Estado que temos em Portugal, entregue à sorte de bandarilheiros cheios de ciência e a instituições mansas.

Agora a sério, das duas uma: ou as referidas edificações e construções das barragens são bens do domínio público e todo o negócio da venda das barragens é nulo, porque os bens do domínio público não podem ser vendidos, ou são bens privados e estão sujeitos ao pagamento do IMI.

O que é estranho é que o país tenha instituições do Estado (APA, AT, Governo), que aceitem as duas coisas em simultâneo. Também aqui, das duas uma, ou os seus titulares não têm competência para os cargos que ocupam ou então as coisas são muito graves.

Pior ainda, quando o Governo vem defender uma alteração à lei nesta matéria, uma coisa podemos ter a certeza. É que uma das hipóteses a considerar é a possibilidade de o famoso legislador vir a branquear todo este lodaçal.

A nós não nos enganam.