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Barragens do Douro: Movimento espera confirmação de pagamento de imposto na audição a ministros

O Movimento Cultural da Terra de Miranda (MCTM) espera que os ministros das Finanças, João Leão, e do Ambiente, João Matos Fernandes, confirmem amanhã no Parlamento que o negócio da venda de seis barragens ao consócio francês Engie vai dar lugar ao pagamento de 110 milhões de euros de imposto do selo (IS). E volta a estranhar alterações ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, após esclarecimento das Finanças.
22 Março 2021, 17h40

O Movimento Cultural da Terra de Miranda (MCTM) espera que os ministros das Finanças, João Leão, e do Ambiente, João Matos Fernandes, confirmem amanhã no Parlamento que o negócio da venda de seis barragens (Miranda, Picote, Bemposta, Foz Tua, Baixo Sabor e Feiticeiro) ao consócio francês Engie vai dar lugar ao pagamento de 110 milhões de euros de imposto do selo (IS), cuja não cobrança tem sido apontada pelo BE e pelo PSD como uma “borla fiscal” correspondendo a 5% dos 2,2 mil milhões do negócio, que não foram entregues às regiões abrangidas pelas barragens na bacia hidrográfica do Douro.

“Esperamos que se confirme no Parlamento que há lugar a pagamento do Imposto do Selo e que haja bom senso. Não conseguimos perceber como é que um negócio tão grande não paga impostos”, afirmou ao Jornal Económico Óscar Afonso, membro do MCTM, um movimento cívico que surgiu para defender os interesses do Planalto Mirandês e da região transmontana e que tem defendido que o negócio da venda de seis barragens ao consócio francês Engie lesou os cofres do Estado em centenas de milhões de euros pela não cobrança de impostos como o do IMI, IMT e do Selo, estimando só neste caso uma “borla fiscal” de 110 milhões de euros correspondendo a 5% dos 2,2 mil milhões do negócio.

Sobre o negócio polémico que levará à audição no Parlamento nesta terça-feira, 23 de março, dos responsáveis do Governo pelas pastas das Finanças e do Ambiente, Óscar Afonso acrescenta ainda que o Movimento “estranha a coincidência da alteração do artigo 60 do Estado dos Benefícios Fiscais (EBF) no âmbito do OE2020”.

O apelo do MCTM surge no dia em que divulgou uma carta aberta ao ministro do Ambiente onde pede a Matos Fernandes e ao Governo para deixarem de prestar declarações a dizer que “não são devidos impostos por este negócio”. Matos Fernandes também é questionado sobre porque não exigiu o pagamento de uma contrapartida financeira no âmbito desta operação aos municípios da região, com a questão a ser lançada depois de o governante ter afirmado neste domingo, que a inspeção da Autoridade Tributária “decorrerá naturalmente e, nessa altura, essa decisão”, acerca do Imposto do Selo, “será tomada”.

Também neste domingo, 21 de março, o ministério liderado por João Leão asseguro, em comunicado, que a alteração do OE2020 não tem relação com venda das barragens da EDP

“Não há qualquer relação entre as alterações propostas ao artigo 60.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) pelo Governo na LOE 2020 – e aprovadas pela Assembleia da República – e qualquer operação em concreto, em particular a operação de venda de barragens da EDP”, asseguraram as Finanças, rejeitando, assim, que uma alteração proposta pelo Governo no Orçamento do Estado para 2020 possa ter beneficiado a EDP na venda de seis barragens no Rio Douro a um consórcio liderado pela francesa Engie por 2,2 mil milhões de euros.

O esclarecimento do ministério liderado por João Leão, em comunicado, surge depois de o “Correio da Manhã” ter noticiado este domingo que o Ministério Público está há seis meses a investigar a venda, com base em suspeitas de corrupção, tráfico de influências e fraude fiscal qualificadas. O diário avançou que a transação poderá ter beneficiado de alterações legislativas introduzidas ao artigo 60 do EBF consagradas no OE2020 (que teve efeitos no imposto de selo), dois meses antes do negócio da venda das barragens ter sido anunciado, em dezembro desse ano, um aspeto que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) estará a analisar.

Segundo o ministério das Finanças, o artigo 60.º do EBF nunca contemplou – e continua a não contemplar depois da alteração promovida na LOE 2020 – qualquer isenção de imposto do selo relativo a trespasses de concessões, os quais têm uma verba própria (verba 27.2 da Tabela Geral de Imposto do Selo) e que se aplica sempre que está em causa a transferência onerosa através de trespasse de concessões outorgadas pelo Estado.

Na clarificação é realçado que, no âmbito de aplicação da isenção de imposto do selo relativa à verba 27.1 às situações de reestruturação empresarial, teve como origem a informação vinculativa publicada pela AT em julho de 2019, que sancionava o entendimento de que, no âmbito de uma operação de reestruturação empresarial – no caso uma operação de fusão por incorporação (dentro do mesmo grupo como é pressuposto das operações de reestruturação) – haveria incidência de imposto do selo nos termos da verba 27.1 da TGIS, considerando que na universalidade de direitos e obrigações transmitidos integrava o direito ao arrendamento urbano para fins não habitacionais.

“Tal interpretação gerava uma situação material e tributariamente injusta, na medida em que, apenas por existir um arrendamento urbano não habitacional no conjunto dos direitos transmitidos no âmbito de uma reestruturação empresarial, haveria lugar ao pagamento de imposto do selo, a isenção que de outro modo teria lugar se, ao invés de um arrendamento, existisse, por exemplo, um contrato de comodato ou um contrato de locação financeira associado ao imóvel necessário ao estabelecimento comercial, industrial ou agrícola”, adiantou.

Já a incidência de imposto do selo no trespasse de concessões está prevista na verba 27.2 da Tabela Geral de Imposto de Selo, a qual prevê a aplicação de uma taxa de 5% sobre o valor da totalidade do contrato em que se insere uma operação que englobe numa transmissão onerosa de ativos e/ou passivos uma concessão outorgada pelo Estado.

O ministério sublinhou que esta incidência de imposto do selo (relativo a trespasse de concessões) subsiste na lei portuguesa desde a aprovação no Código do Imposto de Selo em 2003 (já com antecedentes passados em sede de SISA), e nunca foi alterada mantendo-se plenamente em vigor.

“A taxa de 5% relativa a imposto do selo é assim aplicada a toda e qualquer operação através da qual se opere a alteração de titularidade de uma concessão outorgada pelo Estado através de um trespasse (bem como aos casos de subconcessão)”, disse.

“A discussão que existe atualmente no Parlamento, levantada pelo BE e pelo PSD, a propósito das receitas provenientes da operação de venda pela EDP das barragens do Douro Internacional refere-se inequivocamente ao imposto do selo decorrente da existência de um eventual trespasse de concessão (ou de uma subconcessão), facto tributário previsto na verba 27.2 da Tabela Geral de Imposto do Selo”, vincou.

O presidente do PSD acusou na quarta-feira passada o Governo de ser “advogado de defesa” da EDP no “esquema” montado para a venda de seis barragens ao consórcio liderado pela Engie, tendo Rui Rio criticado o Executivo por ser “tão lesto” em dizer que “nada é devido” pela EDP ao Estado e ter autorizado a venda das barragens “ainda antes de a empresa fantoche ter sido constituída”.

No debate quinzenal, o primeiro-ministro, António Costa, respondeu que “não compete a nenhum membro do Governo proceder à qualificação fiscal de qualquer negócio”, e que essa competência própria é da Autoridade Tributária (AT). Adiantou, no entanto, que “o mínimo que posso dizer é que essa construção [da forma de venda] foi criativa, não me passa sequer pela cabeça que a AT não esteja a investigar, faz parte das suas funções”.

Movimento pede esclarecimentos a ministro do Ambiente

O Movimento Terras de Miranda escreveu hoje uma carta aberta ao ministro do Ambiente a pedir o pagamento imediato dos 110 milhões de euros de imposto do selo que não entraram nos cofres do Estado para a região, onde exige ainda um conjunto de esclarecimentos a João Matos Fernandes, bem como se abstenha de comentar futuramente questões fiscais que não são da sua tutela.

“Não pedimos nada que não nos seja devido. Apenas queremos que nos seja entregue o montante a que temos direito por lei: os 110 milhões de euros respeitantes ao Imposto do Selo que por inépcia da ação do senhor ministro [do Ambiente] e do Governo não acautelou que tivessem já sido cobrados”, pode-se ler na missiva divulgada esta segunda-feira, 22 de março.

O Movimento recorda que a 4 de setembro de 2020 “alertou” o ministro do Ambiente e da Ação Climática “verbalmente e por escrito” da “probabilidade de existirem esquemas de planeamento fiscal agressivo destinados a dispensar a EDP de pagar os impostos devidos pelo negócio da venda das barragens. Esse documento é público”.

E pede vários esclarecimentos ao ministro do Ambiente: “Por que motivo não fez depender a autorização de venda do pagamento de uma contrapartida financeira (como é comum) até porque estava a conferir à EDP o avultado encaixe de 2.200 milhões de euros?”.

“Por que motivo autorizou a venda sem garantir previamente o pagamento dos impostos, nomeadamente de IRC, de IMT, de Imposto do Selo e de Emolumentos?”, segundo o movimento.

Em terceiro, “por que motivo autorizou a venda quando sabia que o modelo de negócio adotado pela EDP frustrava a possibilidade de cobrança de 110 milhões de euros de Imposto do Selo, afetos pelo artigo 134.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021, ao fundo de desenvolvimento dos dez municípios?”.

O Movimento também quer saber, “por que motivo se colocou ao lado dos economicamente mais fortes e contra as populações da Terra de Miranda, de Trás-os-Montes e de todos os portugueses para quem deve governar”.

O MTM também pede “encarecidamente ao senhor ministro e a todos os membros do Governo que não façam mais declarações, nem públicas nem privadas, defendendo que não são devidos impostos por este negócio”.

O MTM também destaca que o ministro do Ambiente “iludiu e frustrou as justas expetativas das gentes da Terra de Miranda” e que “nunca” vai desistir da sua luta “enquanto não for resolvida a enorme injustiça para com a Terra de Miranda, que o senhor ministro agravou”.

 

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