Porventura por milagre do Santo Ivo – ou porque o Presidente do Conselho Regional de Lisboa teve a lealdade, a hombridade e a coragem de o denunciar – o Bastonário da Ordem dos Advogados admitiu finalmente, no discurso de encerramento das Cerimónias comemorativas do dia do Advogado,  que está em Portugal uma Comissão da OCDE que pretende  liberalizar os actos próprios dos Advogados, tornando-os livremente apropriáveis por outras profissões.

A mais importante e prestigiada Associação Pública Profissional, cujo prestígio deverá permanecer intocado, é governada, agora, qual sociedade secreta. Nós, os Advogados e as Advogadas, somos confrontados, a cada dia, com factos consumados, absolutamente gizados à nossa revelia, por uma Ordem que encontrou neste modus operandi, profundamente antidemocrático, a escapatória para a sua falta de vigor e de competência. Foi assim com a Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais, em que a Ordem dos Advogados se absteve de tomar posição, foi assim com o Regulamento Eleitoral, o qual a poucos meses das eleições, ainda não foi debatido com a classe, foi assim com o Processo de Inventário, que a Ordem faz propaganda que  há de vir a conseguir tão-só o que lhe foi apresentado e que o episódio   triste da troca de comunicados com a Ordem dos Notários deixa perceber o motivo pelo qual ainda não temos nada de novo debaixo da roda do sol, foi assim com as nossas salas em Tribunais (como foi caso do descaso com o destino da nossa sala no Tribunal de Vila Nova de Gaia), foi assim com a propalada redução de custas judiciais – que não aconteceu -, foi assim com a irrisória redução das quotas, a qual nos tem custado perda de  benefícios (como seja a transformação do envio gratuito da Revista em formato papel em mais uma receita para a Ordem), foi assim com o Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais que a Ordem alienou parcialmente para os Solicitadores e permitiu impor formação obrigatória aos/às Advogados/as que nele participam (exigência de formação essa, que corresponde às comunicações  apresentadas ao último Congresso dos Advogados pelos responsáveis na O.A. pelo pelouro do SADT, percebendo-se agora que o faziam à falsa fé, numa atitude desleal e sem a transparência que se lhes impunha de comunicar à Classe que já sabiam que tal ia ser posto em letra de Lei), foi assim com a polémica sobre o salário do Bastonário, assim foi com as demissões em catadupa num Conselho Geral que é hoje um órgão não sufragado democraticamente e, por tal, de legitimidade duvidosa, foi assim com a demissão da Comissão de Direitos Humanos, foi assim com a cobrança de “ingressos” a alguns/mas Advogados/as, pelos vistos, indesejados, que quiseram participar no último Congresso.

Tem sido sempre assim, com tudo!

A Ordem desmultiplica-se em bastonatos de proximidade, que do que se constata não servem propósito estatuário algum, a não ser o de tentar encobrir a sua inacção, com o manto diáfano de fantasia, como se não fosse perceptível para todos e para todas que estamos a pagar a campanha eleitoral – encapotada – do Senhor Bastonário, que já anunciou que se recandidatará, ao arrepio do que anunciou in illo tempore (que só cumpriria um único mandato) bem como a dos dirigentes que este “protege” – também consabidamente recandidatos – mas sempre sem a transparência que se impõe de o declararem.

Prestes a concluir-se um triénio, que decorreu sob a égide do conflito de interesses, em que o Bastonário da Ordem dos Advogados não conseguiu libertar amarras do seu papel de oposição – usando, agora, os meios da Ordem para tal – tornou-se evidente que o seu projecto se esgotou na eleição: preparou-se para ser eleito, mas não para governar. Prepara-se agora para tentar reeleger-se, quando já demonstrou que não sabe governar.

Assiste-se a um divórcio, assustador e sem precedentes históricos, entre a Ordem e os/as Advogados/as. Na verdade, estes não são ouvidos, nem escutados, para nada, nem sobre nada. E por isso, preparam, no mesmo mandato, de forma inédita, o segundo protesto para reivindicar em causa própria, o pagamento de honorários justos pelo seu desempenho no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, o que é bem demonstrativo da inoperância da actual direcção da Ordem dos Advogados.

E tudo isto, perante um Bastonário omisso e remisso (assim escreveu o Poeta Imortal, que, por má fortuna nossa, tão certo está, no que respeita aos destinos da Advocacia portuguesa!) que não soube, nem sabe, cuidar da profissão e que logrou em apenas dois anos dar passos largos para a banalização e destruição de uma profissão que tem dignidade constitucional e reconhecido interesse público e é imprescindível ao funcionamento do Estado de Direito democrático, mas cujos representantes nacionais eleitos, não souberam estar à altura de prestigiar.