Os próximos meses vão ser interessantes para o desenho das políticas económicas. Há mais de 10 anos que as políticas fiscal e monetária visam objetivos comuns: ultrapassar a situação económica fortemente negativa resultante da crise financeira, seguida do COVID. Foi necessário estimular a economia e, ao mesmo tempo, evitar que caísse em deflação, mais prejudicial que a inflação. A estímulos fiscais somaram-se estímulos monetários, com fortes injeções de liquidez. Mas hoje temos uma inflação que bate recordes de décadas (10,3% na UE, a mais alta desde a criação do euro). Vamos ter políticas monetária e fiscal desalinhadas, uma novidade de 15 anos.

Isto quando não vai haver coordenação entre os dois lados do Atlântico, pois nos EUA a situação conjuntural, a disponibilidade de energia e a política monetária são diferentes das da União Europeia. Primeiro, a economia americana está mais “aquecida”, com uma taxa de desemprego de 3,7%; em setembro foram criados 442 mil empregos. Segundo, os EUA são menos dependentes da energia, até mudaram a lei em 2019 para poderem exportar energia, pela primeira vez desde 1952. Terceiro, o Quantitive Tightening começou mais cedo e a FED vende 95 mil milhões de dólares de ativos por mês para secar liquidez, endurecimento que só tem paralelo com o de 1979, quando Paul Volcker “domou” uma inflação de dois dígitos. A FED entrou em inflation fighting mode tarde, obrigando a uma abordagem menos gradual.

Neste contexto, as taxas de juro subiram muito nos EUA, acima do que aconteceu na Europa, sem exceção; a Suíça foi o último país europeu a deixar as taxas negativas. Numa Europa dependente da energia e fragilizada pela guerra na Ucrânia, a maior remuneração dos títulos e melhores perspetivas económicas dos EUA atraíram capitais. O dólar valorizou, já vale mais que o euro e aproxima-se da paridade com a libra, impensável há um ano. Volcker disse, na sua primeira participação no FOMC como chairman da FED, “nobody knows what is going to happen to the dollar”; a história repete-se. A situação não desagrada aos americanos: um dólar valorizado são importações mais baratas, logo menos inflação, e maior dificuldade em exportar, o que arrefece a economia, a contas com o aumento do custo do trabalho, tornado escasso. Logo, é impossível um Acordo Plaza como o de 1985, que contrariou a sobrevalorização do dólar. Mau para quem tem dívida ou importa em dólares.

Mas para quem tem poupanças, onde aplicá-las? Perde dinheiro com elas na mão, com a inflação a máximos de 40 anos. Idem se comprar ações, a perda no ano vai acima de 20%. Perde na habitação com a segunda maior queda desde a grande depressão. Nos títulos, o índice MOVE (Merrill Lynch Option Volatility Estimate, o VIX das bonds) está em 159, ou seja, os títulos do Tesouro já não são risk free. E o ouro, tradicional refúgio, afunda-se 10% desde janeiro. Um cocktail original, e um que James Bond não (a)provaria.