Há cerca de três meses, defendi neste espaço que a subida de salários e pensões poderia tornar-se na maior preocupação do BCE, dado ter o potencial de autoalimentar a inflação. Na semana passada, Christine Lagarde reconheceu que o BCE está a “monitorizar atentamente os efeitos de segunda ordem”, com particular ênfase nas negociações salariais que irão ocorrer no outono.

Os dados mais recentes até podem transmitir uma falsa sensação de segurança. Na quarta-feira, o Eurostat revelou que os custos por hora de trabalho na zona euro recuaram 0,1% em termos homólogos no segundo trimestre, depois de terem subido 1,3% nos primeiros três meses do ano. Poderíamos concluir que a subida dos salários já estagnou, mas não será bem assim.

A variação trimestral dos salários horários é contracíclica porque as horas trabalhadas flutuam mais durante as recessões do que os salários. Ou seja, a queda homóloga no trimestre atual resulta em grande parte de efeitos de base, devido a uma forte subida um ano antes por causa do colapso das horas trabalhadas.

Segundo a Pantheon Macroeconomics, olhando para o volume total de compensações salariais, verifica-se que subiram 10,2% em termos homólogos e que o indicador mais seguido pelo BCE subiu 8% e já está 2% acima dos níveis pré-pandémicos.

Ou seja, se é verdade que uma parte muito significativa da inflação que se tem registado tem como origem fatores que se podem considerar pontuais e eventualmente transitórios, como a subida de preços das commodities (da energia em particular) ou os constrangimentos logísticos, uma eventual subida pronunciada dos salários poderá transformar o fenómeno em algo mais permanente.

Este parece-me ser um tema central a vigiar nos próximos meses para quem pretende antever eventuais alterações de política monetária.