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BCE quer revogar recomendação sobre dividendos dos bancos no terceiro trimestre

O responsável da supervisão bancária defendeu que “a consolidação pode permitir que os bancos explorem plenamente as oportunidades de economias de escala associadas à digitalização”. Andrea Enria alertou os bancos europeus para o aumento do risco de crédito e anunciou que vai retirar a recomendação de não distribuírem dividendos.
  • Andrea Enria, presidente do Mecanismo Único de Supervisão do Banco Central Europeu
16 Março 2021, 13h58

O discurso de Andrea Enria, Presidente do Conselho de Supervisão do BCE, durante a “Virtual European Financials Conference” do Morgan Stanley, que decorreu em Frankfurt, debruçou-se sobre o futuro dos bancos europeus no mundo pós-Covid-19. Enria revelou que os bancos sob supervisão do BCE comunicaram planos de distribuição de cerca de 10 mil milhões de euros de dividendos em todo o sistema bancário da zona euro, em linha com o que estava previsto na recomendação do supervisor.

O responsável do BCE deixou alerta aos bancos para estarem atentos aos créditos em moratória, porque alguns passam de crédito em cumprimento para crédito em incumprimento, sem passa sequer pelo Stage 2, do crédito em risco.

Andrea Enria defendeu ainda os benefícios da consolidação bancária dentro da zona euro.

Para ilustrar o que pode ser o futuro da banca usou os quadros do William Turner e do Caspar David Friedrich como exemplo de que os maus acontecimentos podem criar coisas belas.

“Em abril de 1815, o vulcão Monte Tambora entrou em erupção na ilha indonésia de Sumbawa. Um ano depois, os efeitos da erupção atingiram a Europa com força total. Chegou a primavera e depois o verão, mas as temperaturas caíram e a precipitação aumentou, chegando mesmo a cair neve. As colheitas foram dizimadas e os preços das colheitas quadruplicaram. Mas dessa dificuldade também vieram resiliência e criatividade. Ao amanhecer e ao anoitecer, as partículas remanescentes no ar coloriram o céu, inspirando algumas das obras mais famosas de William Turner e Caspar David Friedrich”, contou Andrea Enria.

Este foi apenas um dos recursos à arte que o Presidente do Conselho de Supervisão do BCE usou para dizer que a atual pandemia está a causar enormes dificuldades, mas que “temos que nos concentrar nas condições que podem sustentar uma recuperação forte e rápida após a crise, possivelmente até promovendo mudanças estruturais em áreas importantes de nossas economias”.

“Foi no final de janeiro deste ano que tornei pública uma atualização abrangente sobre a saúde dos bancos sob a nossa supervisão. Recorde-se que, com base nos dados disponíveis do terceiro trimestre de 2020, considerámos que o setor bancário da área do euro tinha, no seu conjunto, respondido à pandemia de coronavírus (Covid-19) com resiliência. Destacamos que os padrões de gestão do risco de crédito e as políticas de eficiência de custos estariam na vanguarda da nossa estratégia de supervisão em 2021, e que o BCE permaneceu empenhado em permitir uma flexibilidade contínua em relação ao capital”, lembrou.

“Num ambiente em rápida mutação, tanto na área da saúde como na política económica, as prioridades que traçámos no início do ano estão agora ainda mais sintonizadas com os riscos e oportunidades da delicada fase de recuperação que se avizinha. Com várias fontes de análise de mercado retratando uma perspectiva de médio prazo decididamente positiva, os dados de final de ano sugerem que devemos adotar uma postura geral cautelosa para 2021”, refere Andrea Enria.

O responsável do BCE põe agora um foco particular na evolução do risco de crédito.

Os bancos mostraram resiliência durante o início da pandemia graças às reformas regulatórias implementadas após a grande crise financeira e aos primeiros seis anos de supervisão única decorrente da união bancária.

Os bancos entraram nesta crise com posições de capital muito mais fortes e com uma folga de capital adicional que foi gerado pelas medidas de alívio prontamente emitidas pelo BCE e pelas autoridades macroprudenciais nacionais. “Com base nos dados disponíveis no momento, esperamos ver apenas uma ligeira queda no índice de capital Common Equity Tier 1 no último trimestre de 2020 (em comparação com o terceiro trimestre do mesmo ano) para níveis ainda acima daqueles prevalecentes no início do ano”, disse o responsável do BCE.

A conservação de capital também foi ajudada pela recomendação do BCE sobre a distribuição de dividendos. Os bancos seguiram a orientação e suspenderam o pagamento de dividendos ao longo de 2020.

“Na sequência da revisão da nossa recomendação em 15 de dezembro, com o regresso do pagamento de dividendos dentro de parâmetros prudentes, os bancos sob supervisão do BCE comunicaram planos de distribuição de cerca de 10 mil milhões de euros em todo o sistema, em linha com o que estava previsto na recomendação e representando um terço dos planos de distribuição de lucros iniciais”, detalhou Enria.

Apenas alguns bancos têm planos de distribuição de dividendos que são um pouco maiores do que os limites previstos pela recomendação do BCE, disse. “Nestes casos, o diálogo de supervisão com os bancos está em curso”, adiantou.

“Comunicamos claramente que, na ausência de acontecimentos inesperados e materialmente adversos nos próximos meses, planeamos revogar a nossa recomendação no final do terceiro trimestre e voltar à verificação normal das metas de distribuição de lucros aos acionistas do banco com base na avaliação dos planos de capital de cada banco” anunciou o responsável pela supervisão bancária do BCE.

“Gostaria de reiterar que esta recomendação foi uma resposta política excepcional à incerteza sem precedentes relativa à profundidade e duração da recessão gerada pela pandemia”, disse Enria.

Quando a crise da pandemia se abateu, a Supervisão Bancária do BCE disponibilizou rapidamente almofadas de capital aos bancos para lhes permitir absorver as perdas e continuar a conceder empréstimos à economia real. Em conjunto com as ações de política monetária e de política fiscal, as medidas “surtiram o efeito desejado”.

Ao contrário do que aconteceu durante a grande crise financeira, os bancos relataram que o crédito a empresas e famílias continuou a crescer em 2020, embora tenhamos assistido a um abrandamento durante a segunda metade do ano.

“Embora seja essencial que os bancos estejam prontos para apoiar a recuperação económica, especialmente quando as medidas de apoio público forem suspensas, é igualmente crucial que suas políticas de crédito sejam apropriadamente seletivas e reflitam corretamente a evolução do ambiente de risco. O ambiente de crédito favorável criado pela política monetária deve levar os bancos a canalizar o crédito para negócios viáveis ​​e a olhar para além de qualquer stress temporário na posição de liquidez dos clientes”, recomendou Enria.

“Os bancos devem se esforçar para identificar, num estágio inicial, eventuais problemas de solvência e gerir proativamente as exposições a clientes em dificuldades, abordando-os com o objetivo de encontrar soluções viáveis ​​e trazê-los de volta a um caminho sustentável ou desencadear uma saída precoce do mercado quando nenhuma outra opção está disponível”, recomenda o responsável do BCE.

“A força e a qualidade da recuperação pós-pandemia dependem não apenas dos montantes de crédito disponíveis, mas também da capacidade dos bancos de canalizar financiamento para negócios sustentáveis ​​através de políticas precisas de gestão de risco e de pricing”, pois “uma das principais lições da grande crise financeira é que a deterioração na qualidade dos ativos, se não gerida ativamente nas fases iniciais, compromete a capacidade de dar crédito do setor bancário, com graves efeitos macroeconómicos adversos”, disse Andrea Enria.

Essas considerações “motivaram as nossas cartas aos CEOs dos bancos enviadas em julho e dezembro do ano passado para enfatizar fortemente a importância de gerir o risco de crédito de forma proativa e precisa”, referiu.

Andrea Enria lembrou que 12 anos depois a falência do Lehman Brothers e nove anos depois do primeiro envolvimento do setor privado durante a crise da dívida soberana grega, a qualidade dos ativos dos bancos da área do euro ainda permanece abaixo dos níveis de antes da crise de 2008. Isto significa que a pandemia atingiu alguns dos bancos quando ainda estavam a fazer enormes esforços para resolver o legado das crises anteriores.

O BCE elogiou ainda a redução de malparado dos bancos, incluindo através da venda de carteiras.

“O nosso trabalho de supervisão agora está centrado numa análise muito granular da qualidade da carteira de crédito. Estamos a analisar cuidadosamente as respostas dos bancos às nossas cartas e a conduzir análises aprofundadas da classificação dos ativos em diferentes estágios (Stage 1, Stage 2 e Stage 3), consoante o risco e de acordo com as regras do IFRS9”, disse o BCE que está também a olhar para as diferentes abordagens adotadas pelos bancos europeus no provisionamento.

O BCE está a concentrar a sua análise nas exposições a setores duramente atingidos pela pandemia.

“O valor acrescentado da supervisão europeia é que podemos comparar os comportamentos de um grande número de bancos a competir nos mesmos mercados”, disse.

“Os resultados preliminares de nosso exame de risco de crédito que iniciamos em 2020 estão quase disponíveis”, revelou Enria.

“As consequências da pandemia ainda estão longe de ser totalmente refletidas nos indicadores de risco, mas as nuvens da incerteza em torno do risco de crédito estão a dissipar-se e os sinais de aumento do risco de crédito estão a revelar-se. Do segundo ao quarto trimestre de 2020, a proporção de moratórias em conformidade com a EBA caiu de 6,8% para 2,3%. As reestruturações de crédito aumentaram ligeiramente e houve um aumento moderado na parcela das exposições classificadas como improváveis ​​de recuperar entre as moratórias em curso e nas expiradas. Existem também diferenças significativas na forma como os bancos sinalizam as suas exposições como reestruturadas, o que levanta preocupações de que alguns deles não estão a adotar uma abordagem adequada nessa área. Particularmente preocupante é a grande proporção de exposições que foram transferidas diretamente do estágio um (performante) para o estágio três (não performante), sem passar pelo estágio dois (crédito em risco). Isso pode sugerir que os sistemas de alerta precoce são ineficazes”, alertou o responsável do BCE.

“É crucial que os bancos reconheçam os riscos de crédito sem demora. Um amplo espaço para absorção de perdas está disponível para todos os bancos que estão nossa supervisão, especialmente considerando que a flexibilidade do buffer que concedemos inclui o buffer de conservação de capital e que essa flexibilização permanece válida até pelo menos o final de 2022. Em qualquer caso, o processo de reconstrução da base de capital só começará quando tiver sido atingido o pico do esgotamento da almofada de capital disponível.

Apesar dos desafios para a gestão de crédito, os bancos foram essenciais para manter a economia à tona durante a pandemia.

Na busca por aumentar a eficiência de custos, os bancos também devem levar em linha de conta os possíveis benefícios decorrentes de concentrações, defendeu também Enria. O responsável da supervisão bancária defendeu que “a consolidação pode permitir que os bancos explorem plenamente as oportunidades de economias de escala associadas à digitalização. Para além de poder também facilitar a saída ordenada do mercado de players que não possuem um modelo de negócios sustentável, ajudando assim a reduzir o excesso de capacidade e a concorrência”, disse.

Andrea Enria concluiu que pandemia teve consequências devastadoras; que o desafio para a economia tem sido assustador e ainda está em curso, e a união bancária enfrenta o seu teste mais difícil desde o seu início. Mas, como em tempos de adversidade anteriores, as pressões para agir e inovar também têm o potencial de criar formas mais eficientes de trabalhar. “Assim como o ano sem verão marcou o início de realizações criativas e novos métodos agrícolas, abraçar as lições aprendidas durante a pandemia pode abrir caminho para uma maior eficiência de custos e modelos de negócios mais sustentáveis. E atendendo aos avisos de perturbações climáticas do passado, podemos contribuir para uma transição ordenada para uma economia de baixo carbono”, referiu.

 

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