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BCP impedido de recuperar os 153 mil euros pagos ao ex-assessor de Manuel Pinho

O BCP desistiu de tentar recuperar os 153 mil euros que foram pagos ao diretor João Conceição entre setembro de 2008 e maio de 2009, apesar de numa auditoria interna o banco ter concluído que este diretor, que foi contratado enquanto era assessor de Manuel Pinho, nunca prestou serviços ao banco. Tudo porque o caso já prescreveu e o banco só iria gastar dinheiro em advogados sem hipótese de sucesso.
Cristina Bernardo
3 Setembro 2019, 07h49

O atual administrador da REN, João Conceição, foi contratado em setembro de 2008 para diretor do BCP, mas uma auditoria interna do Millennium BCP concluiu que nunca trabalhou no banco enquanto foi seu diretor (entre setembro de 2008 e maio de 2009), mas  recebeu 153 mil euros por serviços nunca prestados.

O BCP liderado por Miguel Maya, através do seu departamento jurídico, escreveu a João Conceição a solicitar o reembolso de 153 mil euros, pagos entre setembro de 2008 e maio de 2009, uma vez que o colaborador contratado por Paulo Macedo quando era administrador do BCP (e a presidência era de Carlos Santos Ferreira) acabou por não prestar qualquer serviço ao banco.

Mas, tal como era previsível, João Conceição recusou o reembolso, alegando a prescrição de qualquer crédito laboral. A prescrição é uma figura jurídica para actos cometidos há mais de cinco anos. Portanto o alegado incumprimento do contrato de trabalho estaria já prescrito desde o período 2013/2014.

João Conceição recusa no entanto que nada tenha feito no BCP enquanto lá trabalhou. Diz que fez tudo o que o diretor de recursos humanos lhe destinou fazer.

A carta a pedir o reembolso foi enviada ao atual administrador da REN, a 29 de janeiro de 2019.

Perante a resposta do ex-colaborador o BCP decidiu que “não compensava colocar uma ação judicial nos casos em que se verifica a prescrição, já que o banco não seria bem sucedido, e na prática seria um custo sem proveito”, revela fonte próxima do banco ao Jornal Económico.

A título de curiosidade, a CGD, liderada por Paulo Macedo, já decidiu avançar com processos de responsabilidade civil sobre ex-gestores do banco público, na sequência da auditoria da EY que abrangeu os anos 2000-2015.

Neste caso, João Conceição terá auferido 10.000 euros mensais pelos serviços prestados no BCP, após ter assumido o cargo de assessor de Manuel Pinho para a Energia. Estes valores, segundo documentação entregue pelo ministério da Economia aos deputados na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade, foram sugeridos pelo próprio em correspondência trocada com os gestores da EDP e EDP Renováveis, António Mexia e João Manso Neto, sendo que a EDP terá sido a ponte com o BCP, que na altura era acionista desta empresa. Recorde-se que em 2008 o Grupo EDP tinha 3,2% do capital social do BCP.

A notícia do Observador avançava que esta troca de correspondência foi enviada para o Ministério Público, que investiga o chamado caso EDP, onde suspeita que Manuel Pinho tenha sido compensado pela EDP por ter tomado decisões enquanto ministro que terão favorecido a empresa de eletricidade.  Tudo porque, João Conceição foi consultor do então ministro da economia Manuel Pinho (entre 2005 e 2009) e a sua contratação pelo BCP terá sido acordada entre Paulo Macedo, então vice-presidente do Millennium BCP, e João Manso Neto, administrador da EDP.

Segundo o Observador, o BCP só enviou a documentação interna sobre o processo de contratação de João Conceição para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) depois de ter sido instigado a fazê-lo pelos procuradores titulares do caso EDP em dezembro de 2018 e depois de a Comissão Parlamentar de Inquérito às Rendas Excessivas ter enviado perguntas específicas em janeiro de 2019 sobre o tipo de colaboração que João Conceição tinha prestado no BCP. Esta procura de informação do DCIAP e do Parlamento fez com que Miguel Maya, presidente do BCP desde março de 2018, ordenasse uma auditoria interna. O que levou à entrada em campo do Departamento de Auditoria do BCP.

O Observador relata que três dias depois de Manso Neto ter informado António Mexia sobre a hipótese de o BCP contratar João Conceição, Paulo Macedo deu o pontapé de saída dentro do banco para essa contratação, reproduzindo num e-mail enviado para o Departamento de Recursos Humanos do BCP as condições contratuais que João Conceição tinha transmitido a António Mexia. Isto é, um salário bruto de 10 mil euros/mês , mais seguro de vida e seguro de saúde. Segundo o Observador, Paulo Macedo, terá acordado com o braço direito de António Mexia (João Manso Neto) que os custos totais relativos à contratação de João Conceição seriam reembolsados pela EDP ao BCP — o que, segundo o banco nunca se veio a verificar.

Estes factos, segundo o jornal Observador, reforçam a tese dos procuradores do MP, Carlos Casimiro e Hugo Neto, de que a contratação de João Conceição pelo BCP terá sido uma alegada contrapartida de António Mexia e de João Manso Neto pelos alegados favorecimentos à elétrica na elaboração de legislação estruturante do setor energético.

Segundo o Observador, João Conceição desempenhou um papel chave, por exemplo, na elaboração da legislação para a liberalização do mercado de eletricidade em julho de 2007 e a criação do MIBEL — Mercado Ibérico de Eletricidade, tendo fornecido drafts legislativos confidenciais da legislação que estava a ser preparada pelo Governo e acolhido propostas enviadas pela EDP.

A documentação enviada pelo BCP aos autos do caso EDP reforça, segundo o mesmo jornal, os indícios de que terá sido João Manso Neto a reencaminhar o currículo de João Conceição para o banco.

A auditoria interna do BCP revelam igualmente documentação datada de 2008 que refere explicitamente que os custos de contratação de João Conceição deveriam ser imputados à EDP.

O Observador diz que ainda que há ainda um email trocado entre dois colaboradores da Direção de Recursos Humanos do BCP em que se pode ler: “Este encontro de contas será efectuado entre o BCP e a EDP por outras vias — Acordado entre o sr. dr. Paulo Macedo e o sr. dr. Manso Neto”. João Medeiros, advogado de António Mexia e de João Manso Neto. disse ao Observador que “a EDP nunca pagou qualquer quantia ao BCP por conta das remunerações auferidas pelo senhor eng. João Conceição, nem tão pouco procedeu a encontro de contas por qualquer outra via”.

João Conceição, por sua vez, confirmou ao jornal Observador que durante o período em que apoiou o gabinete do ministro Manuel Pinho foi sempre remunerado por entidades privadas. Primeiro, pela consultora Boston Consulting Group (à qual estava requisitado) e depois pelo BCP. “Enquanto colaborador do BCP, conforme já tive repetidamente oportunidade de referir, e reitero, apoiei o Ministério da Economia na definição e implementação da Medida de Solar Térmico Residencial, enquadrada no protocolo firmado entre o Estado (através dos Ministérios das Finanças e da Economia) e quatro entidades bancárias, nomeadamente o BCP”, disse o ex-colaborador por escrito, segundo relata o Observador.

 

 

 

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