Agora que um problema começa, aparentemente, a ficar para trás (a Covid-19, com o divulgar de planos para o fim do confinamento), outro regressa. Temos de novo o Brexit na mesa, com as divergências e o empurrar de culpas na sequência do último round de negociações entre União Europeia e Reino Unido. A saída sem acordo é de novo uma probabilidade.

A economia mundial vai ter um mau ano em 2020, mesmo se não tão mau como se previa. Mas se, como nas más conjunturas o problema está no relançamento, desta vez há também mudanças estruturais a fazer, na forma como produzimos, comercializamos e distribuímos bens e serviços, como nos deslocamos, como ocupamos os momentos de lazer, em suma, como vivemos e convivemos, com a família, amigos e não tão amigos.

Se depois da Covid-19 quisermos esquecer e fazer como dantes, algo surgirá em pouco tempo que nos vai obrigar a encarar o problema – alterações climáticas, preços das matérias-primas, ou outra pandemia. Isto é, vai haver custos, a curto e longo prazo. O relançamento é crítico para minimizar estes custos e preparar o futuro, e as trocas internacionais são importantes para reduzir as perdas de bem-estar dos consumidores, tal como é importante que o relançamento se faça pela oferta, evitando problemas de balança de pagamentos.

É paradoxal que seja na altura das pandemias e dos problemas globais, quando a ação coordenada é mais necessária, que o Reino Unido jogue aos cavaleiros solitários. “Take back control” de quê? Adaptando Juca Chaves a algo publicável, é melhor comer um prato de morangos com os amigos que um balde de porcaria sozinho. Mas a política conhece razões que a razão desconhece, diria Pascal. Agora, que é uma maçada, é.

A declaração da farmacêutica francesa Sanofi de dar prioridade aos EUA na comercialização de uma vacina contra a Covid-19 (e quem a fez foi Paul Hudson, o diretor-geral britânico do laboratório), depois do episódio das máscaras, vai relançar o debate sobre a soberania dos países e por arrastamento da União – é, pois, expectável que a autonomia europeia volte à agenda política, um sinal será a tendência para a relocalização. É o mau momento para os britânicos quererem, citando Barnier, o melhor de dois mundos, por exemplo, nos padrões necessários para haver livre troca (o “level playing field”) e nas regras da prestação de serviços financeiros, definidoras do futuro centro financeiro de uma Europa a 27+1 ou 27+0,5.

No dia 27 (coincidência!) a União vai anunciar as medidas para o relançamento, e é essencial ver longe. Desta vez não vai ser possível dizer apenas quanto se vai gastar, vai ter que dizer-se como – é preciso estimular a oferta, não a procura. Seria importante que o redesenho estratégico se fizesse com toda a Europa, e curiosamente quem tem mais a ganhar ou a perder é o Reino Unido. Talvez Pascal pudesse ajudar, mas temos que contentar-nos com quem está.