Quando em março deste ano fomos confrontados com a brutalidade da morte de Ihor Homenyuk, às mãos de três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), foi impossível não questionarmos como tamanha atrocidade foi cometida no nosso país sob a tutela do Estado.

O Estado deveria, desde logo, ter procurado obter o cabal esclarecimento sobre o que se passou, contactado a família a quem deveria ter sido de imediato disponibilizado apoio, nomeadamente no que respeita às despesas da trasladação do corpo para o país natal, exigido explicações, avaliado fragilidades internas e promovido todos os esforços para que, desde o primeiro momento, dúvidas não restassem de que jamais um caso destes voltará a acontecer.

Mas tudo isto tardou, num contexto em que este não terá sido o primeiro atropelo por parte do SEF aos direitos humanos, cuja atuação se tem pautado de há algum tempo a esta parte por falhas dificilmente explicáveis ou aceitáveis.

Basta olhar para os dados anuais sobre a situação dos refugiados na Europa, segundo os quais 74 menores foram detidos na nossa fronteira em 2018, a maioria no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa (CIT), ao arrepio das convenções internacionais que proíbem a detenção de crianças, tendo a Provedora de Justiça chegado a referir-se ao CIT como “um domínio de grande obscuridade” ou “o verdadeiro no man’s land contemporâneo”.

Apesar dos alertas que surgem ano após ano quanto à atuação do SEF, e ao CIT em particular, foi preciso a morte de um cidadão estrangeiro para que finalmente se questionassem os problemas sistémicos e o modo de funcionamento destas entidades.

Passados nove meses, ao invés de avaliação interna ou restruturação, ouvimos falar de “soluções” descabidas como o botão de pânico nas salas do aeroporto do SEF, ideia que por si só representa a assunção de uma total falência desta instituição e de uma incapacidade de eliminar estruturalmente o abuso de poder por detrás de episódios como este.

Não se trata de um trágico incidente, mas sim de uma grosseira e repugnante violação dos direitos humanos que ocorreu sob a tutela do Estado. É por isso que ouvimos, com perplexidade, o ministro da Administração Interna congratular-se por uma atuação que ninguém lhe reconhece ou de forma jocosa dar as boas-vindas “ao combate pelos direitos humanos”. Seja por negação ou arrogância de quem se acha acima de qualquer responsabilidade, se esta é a forma de o Estado se demitir do seu dever, além de inadmissível é uma afronta ao trabalho sério que tem sido desenvolvido (e ainda há por desenvolver) em prol dos direitos humanos.

Se nada for feito para mudar a cultura atualmente instituída, nada nos garante que episódios como este, que tiraram a vida a Ihor Homenyuk, não voltarão a ter lugar. Bem-vindo ao SEF, Sr. ministro, bem-vindo àquela que é uma realidade há muito denunciada e sobre a qual nada foi feito. E já agora, Sr. ministro, para sair basta pressionar o botão de pânico.